298 - A Baía dos Tigres
Quando todos foram embora a areia, soprada pelos ventos do deserto, começou a apagar as ruas, eliminou o jardim que era cuidado todos os dias, rebentou as portas e invadiu os espaços. Quem olhasse via os restos resistentes da cidade, o antigo alinhamento das casas, a igreja matriz plantada na solidão daquele silêncio feroz. Todas as árvores morreram, os animais abandonaram a área, o deserto crescia por ali como se teimasse fazer esquecer a terra onde tantos lutaram para ficar até, por medo, desistir. Ele ficou para ver acabar tudo: as garrafas com água mineral, as bebidas do bar, a comida que ficou enlatada, as malas do peixe seco, as tâmaras. A agonia da terra durou uns anos e quando a morte chegou, definitiva, já não gotejava água nos canos e o no depósito da Câmara a que havia apodreceu, verde primeiro e negra depois até ser pó e areia. O ar era pesado de dia, gelado durante as noites de profundos céus estrelados. Rufino, que esperava um milagre, rendeu-se, por fim e iniciou, pelo que sobrava da estrada, o caminho da vida comum. Deixava ali os ossos da família toda, deixava os afectos e ia, sem saber para onde, vazio. Os homens sem alma não sentem os passos e quando ainda começam já chegaram. Banhou-se no mar. Esperou que alguém viesse à pesca, que algum barco o visse, que alguém aparecesse para o levar. E falava alto com Deus quando o ponto que viu no céu cresceu até ser o helicóptero que pousava. A seguir, Luanda. O caos do trânsito, a desordem, o barulho das ruas, o gritar das gentes, a sobrevivência. Um dia, encontrou-a e a vida continuou trepidante na mesma mas recuperou a sua alma e o coração deixou de doer.