286 . O Êxodo
Na pressa de fugir deixaram-no sob os escombros. Dado como morto nunca mais falaram dele e os sobreviventes, em viaturas arruinadas, rumavam para o litoral à procura de um navio que os levasse para o outro lado do mar. Estavam juntos mas cada um escondia do amigo a última lata de sardinhas, o naco ressequido de pão, o frasquinho com dois dedos de aguardente. Paravam à beira dos rios e banhavam-se nus ou com roupa que o sol agreste secaria no corpo. O dinheiro valia pouco por não haver onde o gastar. Ainda assim, escondido invariavelmente junto ao sexo, era visto como uma reserva de esperança. Depois de dias a cruzar a savana, do pó e da chuva, do calor intenso, famintos e andrajosos, com as mulheres sujas e descabeladas, os filhos ranhosos e doentes, chegaram. Nem barco nem paquete havia para os levar e acamparam no porto dispostos a ir para qualquer lado. Comiam peixe seco roubado dos fardos de rede, compravam na cidade fruta e tinham firme a vontade de ir embora sem nunca mais olhar para trás. O navio que atracou ia para a África do Sul e, após negociações demoradas, pago o preço pedido, todos embarcaram com destino incerto. Ficariam meses num campo de refugiados antes de decidirem o futuro. Uns aprenderam a língua e ficaram, outros foram em busca da Pátria que os não queria. Um dia, alguém mostrou fotos de uma revista e ele, o que acharam que tinha morrido, era mostrado são e a cores. Geria uma plantação de algodão, casara e desistira de regressar a Portugal.