Eu tive um sonho
Não pretendera assustar a criança, mas foi o que acabou fazendo ao aparecer inesperadamente.
- Os soldados já foram... os soldados já foram... - gaguejou o garoto.
Colocou o corpo para fora do esconderijo e levou o dedo aos lábios.
- Fale baixo. Podem estar por perto.
Revólver na mão, foi até a janela da cabana e olhou cautelosamente para fora. Realmente, o jipe com os soldados podia ser visto afastando-se à distância, seguido por uma nuvem de poeira na estrada de terra vermelha que cortava os campos verdes. Por mais esta vez, escapara.
- Onde está sua mãe? Seu pai? - Indagou para o menino, enfiando o revólver no cós das calças.
- Meu pai foi embora faz muito tempo. Minha mãe está no campo.
- Agradeça à ela por mim. Agora, é melhor eu ir andando; pode ser que os soldados voltem...
Saiu da cabana pela porta da cozinha, seguindo em sentido contrário ao da patrulha no jipe. O que não contava é que uma nova patrulha viesse subindo a estrada. Não podia despertar suspeitas, portanto continuou caminhando despreocupadamente, embora seu coração estivesse aos pulos.
- Ei camponês! - Gritou o motorista, parando o jipe à frente dele.
- Senhor? - Indagou com um olhar estúpido.
- Mora por aqui?
- Sim senhor.
- Pois então nos leve até lá, precisamos de água.
Tinha que pensar rápido. O único lugar que conhecia nas redondezas, era justamente a cabana da qual acabara de sair.
- Me sigam - replicou, tomando a dianteira.
Chegaram ao local instantes depois e ele gritou pelo menino.
- Filho! Venha cá!
O garoto apareceu, expressão assustada.
- Os soldados precisam de água. Poderia trazer para eles?
Enquanto ia cumprir a ordem recebida, o motorista do jipe indagou:
- Quantos moram na casa?
- Eu, a mulher e o garoto.
- Certo... e não viram nenhum estranho passar por aqui estes dias?
- Ficamos no campo a maior parte do tempo. Não vimos ninguém.
O garoto serviu água e os soldados beberam. Em seguida, entraram novamente no jipe. Antes de dar a partida, o motorista virou-se para ele e comentou:
- Pode haver guerrilheiros escondidos na mata. Eles são perigosos, tome cuidado.
- Sim senhor - aquiesceu.
O jipe partiu, tomando o mesmo rumo do anterior. Novamente só com o garoto, este olhou para ele e perguntou:
- Já que voltou, não quer ficar e esperar minha mãe?
Ele olhou para o céu. A tarde ia pelo meio, não conseguiria chegar ao acampamento antes da noite cair.
- Talvez seja uma boa ideia... filho.
E acariciou os cabelos do garoto.
- [11-09-2020]