“ Adios, adios...”

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O trem parou na estação simples, ao pé do riacho pedregoso de águas límpidas. Chegáramos à "Machu Picchu", a lendária cidade encrustada nos Andes peruanos, nosso destino final. Era 1973. Fazíamos a viagem em um grupo de treze adolescentes.

Descemos do vagão lotado de estrangeiros, franceses, em sua maioria. E várias "peruas" aguardavam estacionadas em filas para a subida do morro ruma à cidadela peruana.

- "Señor, vamos a subir?" - nos ofereceu um peruano de face redonda, larga e riscada pelo frio, olhos puxados com pupilas negras, cabelos pretos espetados, baixo e forte, troncudo, um típico inca.

- Si! - respondo.

Subimos na van que lotou. Começamos a subir em ziguezague a estreita estradinha em terra e pó com as peruas enfileiradas em procissão. O dia estava ensolarado, mas mudava com as nuvens que abraçavam o topo dos picos em seus mais de três mil metros de altura, descortinando constantemente uma paisagem diferente. Linda visão!

Notei logo ao descer do trem que havia muitas crianças pedindo dinheiro. Usavam casacos coloridíssimos e gorros de pingentes caraterísticos dos povos andinos. Estavam maltrapilhos, com bermudas rasgadas e puídas pelo uso, descalços em sandálias de pneu, apesar do frio, pois fazia cerca de 8 a 10 graus.

- "Señor una ayuda por favor! " - suplica para mim um dos pequenos garotos incas, de olhos vivos e espertos. Fiquei comovido!

- "Te darei na vuelta" - respondo no meu portunhol.

- "Gracias Señor. Espero aquí a tu regreso." - diz, abrindo um largo e bonito sorriso de dentes brancos e grandes que me cativaram.

Subimos a rampa alegres e na expectativa da visão da mítica cidade. Foi demorado e chegamos ansiosos ao estacionamento no topo da montanha, mas nada vimos da cidade de pedra ainda. Caminhamos para a trilha de acesso em meio a arbustos, quando em uma curva, ela se descortinou em uma visão esplendida e incrível: Machu Picchu! Ficamos chocados e maravilhados com esta visão. Foram grandes os incas!

Passeamos por suas ruelas de pedras; seu gramado central enorme e imponente, esculpido no alto do pico; seus terraços de cultivo; seus dutos de água na pedra; seus muros de pedras incrivelmente encaixadas, sem nenhuma fresta, perfeitas e seu relógio do sol. Foi também a residência da realeza inca - uma obra incrível de engenharia.

Por cerca de quatro a cinco horas ficamos maravilhados pela grandiosidade desta cidade que chegou a ter quase cinco mil habitantes. Mas tínhamos que sair dela às quinze horas, pois o trem para retorno à Cuzco sairia às dezessete. Voltamos para o estacionamento. As peruas nos aguardavam, retornamos na mesma, pois queria reencontrar o garoto para lhe dar a ajuda prometida.

Durante a descida ouvimos e vimos pela janela, o mesmo menino, com o seu sorriso de dentes brancos, em pé junto a estradinha estreita, gritando e acenando!

- "Adios, adios! "

Acenei para ele, assim como todos nós. A descida seguia devagar pelo tráfego lento dos carros. E ao virarmos para o segundo trecho da descida vimos novamente o garoto:

- "Adios, adios! "

Entendi como descia, havia uma escada verticalmente escavada na encosta da estrada, descendo por ela nos encontrava a cada trecho, devido ao andar lento do comboio de peruas. Inteligente o garoto!

O apelidamos de "adios, adios" e virou atração. A cada curva, lá estava ele nos despedindo, e nós a ele. Todos do carro o aguardavam na próxima curva e fomos assim até o final da descida -"adios, adios" e nós - numa brincadeira gostosa e alegre. Chegamos à estação, o grupo desceu e o garoto nos esperava, sorridente. Recebeu ajuda de todos claro, tinha sido original. Fui o último a lhe presentear dizendo:

- Como prometido, aqui está su ayuda!

- "Gracias señor! Muchad gracias!"

- Como te lhamas?

- "Gonzalo, señor!"

- "Placer Gonzalo!"

- "Y tu nombre, señor?"

- Fernando!

- "Mucho gusto, Fernando!"

- Mucho gusto también, Gonzalo.

- "Adios, señor Fernando!"

- "Adios, Gonzalo!"

O garoto voltou ao estacionamento. Eu fui para o vagão do trem para Cuzco, reunir-me ao grupo, que animado conversava sobre as belezas de Machu Picchu. Mas fiquei com o Gonzalo, ou melhor, o "adios, adios" na lembrança. Inesquecível!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 11/09/2020
Código do texto: T7060270
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