Dívida quitada

Quem teria envenenado o cachorro do velho? Alguns suspeitaram que poderia ter sido alguém interessado em roubar a casa, visto que o velho morava sozinho e o cão era sua única companhia. Mas quem já havia tido acesso à residência descartava esta hipótese, visto não parecer haver nada ali dentro que justificasse um arrombamento.

- Aposto que foi uma vizinha, Bettie Swanson - comentou Paula Duke em tom conspiratório ao saber da notícia por Jimmy Kane, o dono da mercearia. - Vivia reclamando que o cachorro latia muito, principalmente à noite; e ela tem quatro gatos, detesta cães.

- Pois eu ponho minhas fichas em Gary Ferguson - replicou Kane, que fazia de seu estabelecimento comercial um dos principais focos de difusão de boatos do vilarejo. - O filho caçula dele, Calvin, foi mordido pelo cachorro.

- Nunca vi o cachorro do velho solto na rua - duvidou Paula.

- O garoto pulou a cerca para roubar maçãs. O velho deixava o cachorro solto no quintal - explicou o comerciante.

A conversa parou subitamente porque pela porta do estabelecimento entrou o motivo da conversa, cara fechada.

- Bom dia, Jimmy! Sra. Duke - cumprimentou ele, levando a mão à aba do chapéu.

- Sr. Mosley - responderam ambos respeitosamente.

- Você tem cartuchos .50 para carabina Sharps? - Indagou o velho.

- Sim... quantos o senhor vai querer? - Indagou Kane solícito.

- Uma caixa - foi a pronta resposta.

Enquanto o comerciante ia pegar a munição, Paula Duke aproveitou para tentar extrair alguma informação do velho.

- Eu soube do seu cão, Sr. Mosley. Uma lástima!

- Foi uma covardia, Sra. Duke - assentiu o velho. - Mas eu vou pegar o desgraçado que fez isso, ora se vou!

Pagou e saiu, sob os olhares atônitos dos outros dois.

- De quem ele estava falando? - Indagou por fim Paula Duke.

- Não faço ideia - redarguiu o comerciante, enxugando a careca com uma flanela.

* * *

Com a experiência que ganhara caçando búfalos a cavalo na juventude, o velho sequer apeou antes de começar a atirar. O primeiro sabujo caiu, com uma bala certeira que lhe estourou os miolos. Os outros dois, subitamente percebendo a ameaça que o cavaleiro com a carabina nas mãos representava, tentaram bater em retirada, em vão. O velho não erraria um tiro daquela distância.

Atraído pelos disparos, um homem gordo assomou à entrada principal da sede da fazenda empunhando um revólver. Seu rosto contorceu-se ao ver os cães mortos.

- O que você fez, seu desgraçado? - Gritou, enquanto o velho o enquadrava na mira da Sharps.

- Eu te avisei, Jordan - retrucou este. - Se alguma coisa acontecesse com meu cachorro, eu viria atrás de você. Abaixe a arma, não preciso de um pretexto para atirar em você.

Jordan abaixou o revólver, sabendo que não era páreo para o velho.

- Você ficou louco, Mosley? Moro à mais de seis milhas de distância da cidade... porque acha que fui eu quem envenenou seu cachorro?

O velho sorriu por trás da mira, dedo no gatilho.

- Eu não lhe disse que meu cão foi envenenado, Jordan.

O fazendeiro engoliu em seco.

* * *

Carabina a tiracolo, o velho entrou na mercearia. Atrás do balcão, Jimmy Kane arregalou os olhos ao vê-lo.

- Fez boa caçada, Sr. Mosley?

Em silêncio, o velho aproximou-se e colocou as duas mãos sobre o balcão.

- Cometi um erro grave hoje, Jimmy. E não gosto de cometer erros.

Levou a mão direita ao bolso das calças e puxou uma nota de cinco dólares que entregou ao comerciante.

- Era o que Gary Ferguson estava lhe devendo?

- Sim, mas...

- Pois risque a dívida dele da sua caderneta.

Kane tratou de cumprir o que lhe fora dito, pois a expressão do velho era soturna.

- Aqui - exibiu a caderneta. - Dívida quitada... mas por que a pagou?

- Eu não paguei, o dinheiro é dele. Tivemos uma conversa esclarecedora e ele me disse que estava lhe devendo faz uns seis meses, e que você não andava nada satisfeito com isso. Melhor pagar então, eu disse. Quando você está com uma carabina na mão, as pessoas podem se tornar bastante razoáveis.

O velho inclinou-se sobre o balcão. Kane respirou fundo.

- Soube que você andou comentando com seus clientes sobre quem teria envenenado o meu cachorro, e que até apontou Gary Ferguson como o principal suspeito. Eu não creio que tenha sido ele, e na verdade, agora estou até inclinado a admitir que o cachorro morreu por outra coisa qualquer. Mas é sempre mais fácil culpar um vizinho, não é mesmo?

Kane tentou articular uma resposta, sem sucesso. As palavras pareciam lhe morrer no fundo da garganta. O velho continuou a falar em voz baixa, encarando-o fixamente.

- Embora não seja da sua conta, eu tenho uma velha desavença envolvendo Jordan, o fazendeiro. Um outro caso envolvendo a morte de um dos meus cães, muitos anos atrás. Eu fui lá hoje, tirar satisfações. Jordan poderia ter morrido, mas felizmente só matei os cães dele; três para ser mais exato. Foi Jordan quem me contou da sua fofoca sobre Gary Ferguson.

- Eu... eu não fiz por mal - conseguiu gaguejar Kane.

O velho aprumou-se.

- Você está devendo três sabujos ao Jordan, Jimmy. Apresse-se, pois ele virá aqui cobrar.

E antes de virar-se para sair:

- Pra mim, vou querer um borzoi para substituir o que morreu. Um macho de não mais de um ano, preferencialmente.

Tocou na aba do chapéu e retirou-se.

- [07-09-2020]