Papa-léguas
Enquanto os portões da prisão se fechavam às suas costas, viu que alguém estava esperando por ele: Gabriel, placidamente escorado de braços cruzados num Plymouth Road Runner vermelho, um sorriso aberto sob os óculos escuros.
- Pensou que eu não viria? - Indagou. abrindo os braços.
- Imaginei que não iria querer perder o espetáculo - replicou, enquanto caminhava em direção ao irmão.
Abraçaram-se pela primeira vez em cinco anos, Gabriel despenteando-lhe o cabelo da mesma forma que costumava fazer quando eram crianças e queria cumprimentá-lo por algo bem feito.
- E esse carro? - Indagou, acariciando o capô do veículo esportivo, sobre o qual corria uma faixa negra.
- Meu novo trabalho. Nosso, se você não estiver muito enferrujado - provocou-o Gabriel.
Ele olhou para trás, para os muros altos e portões de ferro da prisão que acabara de deixar, e depois encarou o irmão.
- Mal estou na rua e já quer que eu volte ao crime? - Inquiriu com ironia.
- Quem falou em crime? - Retrucou Gabriel com um sorriso canalha. - Enquanto você esteve vivendo às custas do estado, eu comecei a trabalhar como caçador de recompensas; recuperação de veículos, mais precisamente.
- Esse Plymouth então...
- Foi roubado. Antes de devolver para o legítimo dono, resolvi dar uma última voltinha e buscá-lo na porta da penitenciária.
A justificativa foi recebida com seriedade fingida.
- Então, você se passou para o lado da lei.
- Digamos que agora eu roubo dos ladrões - redarguiu Gabriel, dando-lhe uma palmada amistosa nas costas. - Vamos, aposto que quer dar uma volta e tomar um trago!
Ele contornou o veículo e sentou-se no banco do carona. Gabriel assumiu o volante e deu a partida. Sob o capô, 335 cavalos despertaram com um rugido para a vida.
- [03-09-2020]