Crédito de imagem: foto antiga, de autor desconhecido.
DOIS IRMÃOS
Belle e Joseph, ele mais velho dois anos, eram dois irmãos que viviam felizes, brincando na rua com outras crianças suas vizinhas, de idades aproximadas. Habitavam nos arredores de Paris mas algo afastados, entre a cidade e o campo e quase nem deram pela chegada da guerra. Num instante, vários países foram sendo invadidos pelos alemães e a França, embora resistindo estoicamente, também acabou por ser invadida. O ruído das máquinas de guerra tornou-se cada vez mais próximo e assustador. Então perceberam o quanto era perigoso e aterrador viver num país ocupado. Foi uma experiência terrível, soldados, tanques e camiões militares circulavam a toda a hora e as casas foram sendo revistadas, à procura de judeus e outras raças não arianas... O clima tornou-se progressivamente intimidatório, as casas eram revistadas de alto a baixo, saqueados os valores mais significativos. De repente, os soldados selecionavam pessoas de todas as idades, crianças incluídas, começaram a embarcá-las em camiões, como gado para a feira, quem tentava fugir era abatido... Seus pais também foram levados, numa noite com muita chuva e vento. Choraram imenso aquela perda, sabiam que só com o cumulo da sorte os voltariam a ver.
Belle e Joseph viveram escondidos por Robert, seu tio materno e único parente por aquelas paragen. Ele vivia na clandestinidade (até aí parecia um fantasma, raramente o viam) e perceberam que tinha boas relações com a Resistência Francesa.
Num momento de pura sorte conseguiram fugir daquele inferno, graças aos conhecimentos do tio. De forma penosa e cheia de sobressaltos, com os parcos haveres, alguma roupa e comida metidos à pressa numa mala velha, porfiaram em chegar a Le Havre, onde o tio vendeu algumas peças de ouro que conseguira transportar sem dano, e convenceu que a tripulação de um pequeno barco de pesca os levasse para Inglaterra, via canal da Mancha, na Inglaterra de que nada sabiam nem sonhavam. Uma lingua totalmente desconhecida, pessoas que eles olhavam com curiosidade e algum temor... Quem foge tem um constante medo de ser apanhado e na terra natal já tinham visto soldados nazis a executarem o livreiro da rua onde tinham morado, pintando depois a tinta negra a estrela de David na fachada...Lembravam também que muitos dos vizinhos que tinham sido embarcados pelos soldados, os pais inclusive, ostentavam no peito uma insignia representando uma estrela de seis pontas pintada a preto e com fundo amarelo.
O tio Robert nunca os abandonou e foram deambulando à boleia até chegar a Londres. À noite, dormiam abraçados, tiritando cheios de frio e também com fome, pois o alimento era parco.
Tinham lá outros tios paternos,de nomes Allain e Ferdinand, que lhes deram alimentação e guarida. Ficaram a morar temporariamente em casa deles, nos arredores da cidade, numa zona mais calma e discreta. Todo o cuidado era pouco, mesmo ali.
Desde que tinham saído da sua terra natal já haviam decorrido três meses. Entretanto, com Paris capitulado, todo o sul de França foi ocupado e Hitler ficou ainda mais ambicioso, pois contava com a amizade e colaboração do ditador Franco, dada a proximidade de idiologias. Assim, o Fuhrer começou a bombardear tudo o que podia alcançar, nomeadamente no território britânico.
Num dia de maior sobressalto, pois Londres começara a ser alvo de constantes bombardeamentos e o medo desses atos abranger todo o território, fez com que decidissem, logo que possível, ir para longe dali... Era o Blitz, que em semanas quase arrasou completamente Londres.
Viram ruas inteiras inteiramente destruídas, muita gente soterrada, morta ou gravemente ferida, e foi também com grande tristeza e choro que aconteceu a morte do seu tio Allain, atingido quando uma bomba arrasou a casa ao lado da deles. A situação ficou insustentável, ninguém dormia com o temor dos bombardeamentos e a comida rareava cada vez mais.
Decidiram-se finalmente ir para mais longe. Graças à rede de contatos do tio Ferdinand, que lhe emprestou algum dinheiro, foi possível aos quatro atravessar de comboio parte desse grande território e fixar-se em Liverpool, onde conseguiram alojamento. O desejo era viajar para bem longe e o mais apetecível eram de fato os Estados Unidos da América.
O tio Ferdinand declinou o convite para os acompanhar mas ajudou em tudo o que estava ao seu alcance.
O tio Robert trabalhou alguns meses na estiva, ajudando na descarga de materiais importados no porto da cidade, lucrou jogando à batota, lutou com marginais para defender o seu pecúlio e conseguiu amealhar, junto com o que sobrara da viagem anterior e o que Ferdinand lhe cedera, dinheiro suficiente para comprar três bilhetes de terceira classe viajando num velho navio, que os levou, Oceano Atlêntico fora, numa algo acidentada travessia até Nova Iorque. Era a conclusão de um sonho, possível graças à incrivel sorte que os protegeu desde a saída de Paris.
Apesar da ameaça de submarinos nazis, sempre à espreita de navios civis vulneráveis, o comboio de barcos que integravam, devidamente escoltados por um cruzador e um destroyer, conseguiram concluir a viagem sem ataques.
Quando desembarcaram em Ellis Island, na alfândega, apertados em fila e alinhados como gado para abate, sentiram algum desconforto mas logo passou quando finalmente pisaram o chão pleno em Manhattan. Finalmente livres, completamente livres!