266 - O Caminho
Da guerra recordava as sucessivas fugas da família. O pai à frente, a mãe com ela às costas, o cão. Cada vez que um boato ou o som de tiros chegava mais intenso, carregavam o velho carro de mão e seguiam a pé até onde a exaustão os fizesse parar: uma cova, um riacho, uma rocha, um lugar sem gente. Ficavam até que o pai voltasse com alguma comida e o novo destino. Aprendera a aproveitar todos os recursos que houvesse e a gostar de tudo. Na fuga os anteriores habitantes das sanzalas deixavam a criação, as hortas, sacas com a fuba de milho e, com sorte, peixe seco. Dormiam nas palhotas sem dono, escondiam-se durante o dia, estavam sempre prontos para fugir. Muito tempo foi assim. Não recordava quando chegou à cidade, quando perdeu a família, quando, sem dar por isso se viu mulher feita e pau para toda a obra. Havia lapsos de memória, incapacidade de se lembrar, restos de um terror antigo que voltava quando um estrondo ou um barulho diferente a fizesse fugir para um lugar escuro. Naquele dia, ele disse que a ensinava a ler. Disse, também, que ela era bonita e que tinha meios para se casar. A princípio Avelina não ligou a si a conversa e, quando entendeu que ele a queria, procurou em si maneira de retribuir e achou o coração vazio. Não sabia se queria aprender a ler, se queria aquele homem, se queria casar.