A Literatura na minha vida

Conto: A LITERATURA NA MINHA VIDA

Publicada no livro “Faces da Vida”, de Sissa Moroso e José Valmor Rodrigues (pai)

Editora Lex Dei (Criciúma/SC), página 63/64, 2018.

Na família de meu pai havia treze irmãos, sendo que as mulheres ou eram enfermeiras ou professoras. Meus pais tinham quase a mesma idade quando se casaram. Tiveram famílias com culturas tão diferentes e constituíram outra família, mais diferente ainda.

As minhas tias passavam as férias em nossa casa. A tia Carmem era professora e sempre lia um livro à noite para nós, nas férias escolares.

O último livro que ela leu, foi: “Marcelino Pão e Vinho”. Que história linda e cheia de emoção! Logo para gente que tinha espírito aventureiro. Toda noite ela contava um capítulo do livro. A cada dia, a gente queria saber mais da história e ela dizia que no outro dia continuava, então a gente ia dormir pensando no resto da história. Meu pai costumava comprar livros, mas livros de pesquisa, tipo enciclopédia que os homens vendiam de porta em porta. A gente nunca pesquisou num livro daqueles, a gente queria ler literatura infantil, mas não tinha. O livro: O Barquinho Amarelo era o livro mais conhecido, mas só tinha na escola e era para alfabetização.

Na escola, a gente encenava o “cravo brigou com a rosa”, brincava de cantigas de roda, como a “menina tão galante”; “Eu sou pobre, pobre”; brincava de “galinha quer por”, “passa anel”, entre outros. A gente vivia cantando e revivendo a literatura infantil e o folclore brasileiro. O recreio parecia que não ia acabar nunca de tão extenso, a gente fazia de tudo em tão pouco tempo!

Quando entramos para a catequese, meu irmão e eu ficamos na mesma turma, na verdade tinha uma única grande turma. Decorávamos o catecismo para responder as perguntas aos seminaristas e todo sábado o padre Martins contava um pouco da história do Pinóquio. A gente esperava ansiosos para chegar esse dia. Ele encenava, fazia as falas dos personagens com entonação de voz, fazia caras e bocas, com aquela batina branca e estola verde. Ele era um grande ator, além de ótimo padre, na nossa visão de criança, de oito anos.

Fui saber depois que ele era um padre de origem brasileira, no meio de tantos descendentes de italianos, que veio para trazer um pouco de patriotismo, ele que fez um altar imitando o Palácio da Alvorada de Brasília e ainda pintou a igreja de verde e amarelo por dentro. Estávamos nos anos setenta, tempos de ditadura militar, onde prevalecia a “ordem e o progresso” em todos os lugares, até nas igrejas.

Após um ano de doutrina, chegou o dia da primeira comunhão, eu de vestido rosa e com véu na cabeça, meu irmão de calça de tergal azul, camisa rosa e gravata borboleta, conforme a foto que batemos juntos para o álbum de família. Neste dia, fiz tanta bagunça que caí na calçada da igreja e perdi uma verruga que tinha no joelho, havia feito várias simpatias para ela cair e caiu bem num dia, em que eu estava linda de vestido de tergal e o sangue corria solto pela perna. Que escândalo!

Depois deste dia, tentei ser anjinho e ajudar a coroar a nossa senhora no mês de maio, mas fui expulsa do grupo dos anjinhos, antes mesmo do dia da coroação, até hoje não entendi este episódio da minha infância. Eu queria tanto subir àquela escada, colocar o vestido branco e as asinhas para encontrar a mãe de Jesus, assim como o Marcelino, mas tanto ele, quanto eu, éramos hiperativos.

Recentemente, entrei numa loja e lá estava o DVD do filme: “Marcelino Pão e Vinho”. Fiquei emocionada, comprei e corri para casa para mostrar para minha filha Júlia, quando ela viu que o filme era em preto e branco, disse: “Que sem graça”, e eu disse que tinha todas estas imagens na minha cabeça, porque no livro que a tia lia para gente, não tinha desenhos, apenas letras. Tudo ficava por conta da nossa imaginação.

Outros tempos, outras culturas, outras leituras...