A encomenda do apotecário

- Está esperando alguém? - Perguntou-me Oliver Willardsey ao me ver parado na porta da tabacaria, apreciando o tráfego de carroças e fiacres na Haymarket. Virei-me para dentro.

- A garota das cerejas... Cherry - repliquei.

- Ah, a pequena dos Spring Gardens - relembrou ele, cotovelos apoiados no balcão. - Poderíamos marcar uma festinha antes da sua partida, e incluir a amiga dela, em alguma pousada em Covent Garden.

- Tenho outras ideias para a Cherry - declarei enigmaticamente.

Um cliente entrou na loja, à procura de rapé. Willardsey mostrou-lhe algumas das variedades que tinha, e depois que a compra de uma caixa foi finalizada, comentou:

- O meu amigo ali na porta, é quem me traz este autêntico tabaco da Virgínia. Em poucos dias, estará zarpando de volta à Baltimore...

- E o cavalheiro aceita encomendas? - Indagou o cliente para mim.

- Apenas por atacado - repliquei. - Venda a retalho é com meu amigo Willardsey.

- Meu nome é Bartholomew Engleford - identificou-se o cliente, aproximando-se. - Sou apotecário.

- Eleazar Milligen - apresentei-me.

Trocamos um aperto de mãos.

- Como está indo para a América, talvez possa aceitar uma encomenda de uma planta que estou com dificuldades em encontrar nos grandes herbalistas de Londres... ipecacuanha.

Como franzi a testa ao ouvir o nome, ele retirou de um bolso da casaca um cartão comercial, onde anunciava seu negócio e os principais produtos que vendia.

- Estou desenvolvendo um novo cordial, que tem a ipecacuanha por base - explicou o apotecário. - Caso o cavalheiro possa ir até a minha loja, em Covent Garden, terei grande satisfação em lhe prover com amostras da planta, caso aceite a encomenda.

Embora meu negócio fosse comerciar tabaco em várias apresentações, diversificar as fontes de renda era algo bem-vindo. Informei-lhe que iria até Covent Garden na manhã seguinte e nos despedimos.

Finalmente, após mais alguns outros clientes terem sido atendidos e despachados por Willardsey, a minha morena apontou no início da rua, sem o cesto de vime à cabeça, mas com um xale sobre os ombros. Saudei-a com satisfação, ao aproximar-se.

- Mas veja como está ainda mais bonita!

A peguei pela mão e a fiz girar. Por trás do balcão, Willardsey nos olhava com ar divertido.

- Não acha que a sua garota está vestida muito recatadamente para ser apresentada ao Cuthbert? - Indagou.

- Quem é Cuthbert? - Questionou Cherry.

- O sujeito que vai lançar aquele guia de damas para o entretenimento de cavalheiros solitários - expliquei. E voltando-me para Willardsey:

- Houve uma mudança de planos; quem vai se apresentar ao Cuthbert é a Jenefer... a loura, dos Spring Gardens.

- Aquela é uma profissional - reconheceu Willardsey. - Sou capaz de virar freguês. Mas e a sua pequena?

- Eu a convidei para conhecer a América - repliquei sorrindo. - Se ela não gostar, volta comigo na próxima viagem.

- E eu já disse que aceito - assegurou Cherry.

Dei-lhe o braço e ergui meu tricórnio em saudação a Willardsey.

- Temos que ir, aprontar as coisas para a partida. Amanhã passo por aqui, depois que visitar o apotecário.

Ao sairmos para a rua batida de sol, Cherry perguntou:

- O que você vai fazer num apotecário?

- Acredite se quiser, mas recebi uma encomenda de ipecacuanha!

- É algum animal exótico? - Indagou intrigada.

- Confesso que até o início desta manhã, nem eu mesmo sabia o que era - admiti.

E fomos subindo a Haymarket, enquanto eu mostrava a ela o cartão comercial de Bartholomew Engleford.

- [03-06-2020]