Cereja madura

Acima do ruído confuso do tráfego de homens e animais na rua enlameada em Haymarket, a voz de uma mulher vendendo cerejas me chegou aos ouvidos. Decidi que seriam uma boa distração naquela manhã quente de verão, e fui até a porta da tabacaria chamá-la. Lá vinha ela pelo canto da calçada, equilibrando um cesto de vime na cabeça e apregoando:

- Ce-re-jas ma-du-ras!

- Ei! Garota! - Acenei.

Só quando ela chegou mais perto, vi que conhecia aquele rosto. Com mais maquiagem, de fato; era a minha morena de dias antes, dos Spring Gardens.

- Cherry! - Saudei-a.

Ela parou à minha frente, braço direito segurando o cesto, e dobrou ligeiramente os joelhos, numa vênia gaiata.

- O cavalheiro americano de Vauxhall!

- Eu mesmo - acedi.

- O que faz aqui em Haymarket? É o proprietário desta bela tabacaria?

- Na verdade, é do meu amigo, Oliver Willardsey. Deve lembrar-se dele, lá dos Spring Gardens.

- Sim, o grandalhão apressado... - Cherry fez uma careta.

Encarei-a com admiração. À luz do dia, e sem maquiagem, parecia até mais bonita do que em Vauxhall.

- Jamais poderia imaginar que além das suas outras atividades, também vendia cerejas pelas ruas.

Ela fez bico, parecendo decepcionada com o comentário.

- Mas essa é a minha atividade principal, cavalheiro... à noite, faço um extra nos Spring Gardens.

- Você tem boa voz - elogiei, para desfazer a má impressão. - Com tantos teatros em Covent Garden, nunca pensou em tentar carreira como atriz?

Ela me lançou um olhar curioso.

- Oh, eu tentei... e isso explica em parte como vim parar nas ruas, vendendo... cerejas.

- Talvez você esteja precisando de um patrono - sugeri.

- O cavalheiro pretende fixar residência em Londres? - Indagou ela, erguendo um sobrolho.

- Não neste sentido - apressei-me a esclarecer. - Mas acho que deveria pensar em fazer um investimento na sua... atividade secundária. Tem um grande talento para esse mister, ouso dizer.

- Para isso eu precisaria de um patrono - atalhou. - E não, não preciso de um rufião.

- Não falo de um rufião, mas de um, digamos, propagandista.

Ela ergueu os dois sobrolhos.

- Espero que não esteja sugerindo que eu anuncie os meus serviços no "Daily Gazetteer".

- Algo mais reservado - tranquilizei-a. - Tenho um outro amigo aqui em Londres, ele está pensando em criar uma espécie de catálogo de damas que prestam favores a cavalheiros solitários, com tabelas de preços e especialidades de cada uma.

- Isso existe, de verdade? - Indagou Cherry, pensativa.

- Ainda não. Mas vai existir muito em breve - assegurei.

E apontando para o cesto de vime sobre a cabeça dela, solicitei:

- Aproveitando que está aqui, me dê meia dúzia desses palitos de cerejas, por favor.

- [02-06-2020]