Música para o povo
Meu bom amigo Oliver Willardsey chamou minha atenção para um entretenimento tipicamente britânico, e do qual eu já ouvira falar, mesmo nas distantes colônias da América: os Spring Gardens, em Vauxhall, sul de Londres.
- É um tipo de passeio público, com casas de pasto e coisas do gênero? - Indaguei.
- Mais do que isso - asseverou-me Willardsey. - É um lugar onde se pode ouvir música de boa qualidade, ao ar livre, durante todo o verão!
Londres era uma cidade estranhamente musical, o que contrastava com o mau cheiro do Tâmisa e das vielas sujas da City. Partituras e letras de canções populares eram vendidas pelas ruas por mulheres macilentas, ambulantes apregoavam seus produtos de forma musicada, e nas tavernas sempre era possível encontrar alguém tocando um instrumento em troca de alguns pence.
- Confesso que não consigo imaginá-lo como apreciador de boa música, meu caro - declarei com talvez excessiva sinceridade.
Willardsey riu com gosto.
- De fato, jamais serei convidado para um baile de máscaras da corte em Vauxhall - admitiu. - Mas há outros encantos nos Spring Gardens que merecem ser apreciados antes que volte para as colônias, Thomas.
Fez-me uma viva descrição do empreendimento, com seus arcos do triunfo, vias arborizadas, aprazíveis paisagens artificiais, tudo isso iluminado à noite por milhares de lâmpadas coloridas a óleo; posto que a diversão começava tão somente ao anoitecer, e se estendia até altas horas da madrugada.
- Parece-me um lugar transplantado de uma outra realidade - avaliei.
- E eu não lhe falei sobre os espetáculos de variedades que ali ocorrem - prosseguiu, entusiasmado. - Há malabaristas, mágicos, engolidores de fogo...
Concluí que se não fosse até os Spring Gardens, perderia ao menos um bom assunto de conversa quando retornasse a Baltimore.
- Quando terei que investir para participar de tão extraordinária aventura? - Indaguei.
- A entrada custa apenas um xelim. Pegamos um fiacre até o West End, e de lá, um bote nos leva até Vauxhall.
Mais tarde, ao fim daquele mesmo dia, fizemos o caminho que nos levaria ao parque de diversões londrino. Eu ainda não conseguira atinar o que um sujeito nada refinado como Willardsey queria num lugar daqueles, que mais parecia um ponto de encontro para famílias e casais jovens, mas logo comecei a compreender o que ele buscava quando começamos a descer ao longo de uma das aleias feericamente iluminadas e tomadas por um público ruidoso que bebia, ria e se divertia ao som de orquestras estrategicamente dispostas. Passamos por duas jovens que caminhavam juntas, uma loura e uma morena, maquiagem um tanto exagerada, e Willardsey lhes dirigiu a palavra.
- As senhoritas estão acompanhadas?
- Tanto quanto você e o seu amigo - replicou a loura, com um sorriso de dentes falhados.
- Há algum lugar onde possamos conversar em privado? - Inquiriu galantemente Willardsey.
A morena apontou para o fim da aleia, onde havia muitas árvores - e uma acolhedora escuridão.
- Música, não é, Willardsey? - Ironizei.
- Por vinte xelins, nós até cantamos, se vocês quiserem - afirmou confiantemente a morena.
- Acho que posso dispensar o canto - repliquei, dando o braço à ela.
- Dez xelins, então - decidiu Willardsey, dando o braço à loura.
E, como dois casais de amigos entretidos pelos encantos de Spring Gardens, fomos caminhando para longe da luz e do bulício, sob o céu estrelado e sem lua do verão inglês...
- [01-06-2020]