NÓS AMAMOS VOCE

Nós amamos você

Subitamente um estrondo! Um tremor de terra! Um violento mar de lamas, cujas águas revoltas e desgovernadas avançam sem dó e sem piedade em minha direção. Tento desviar o carro, mas é impossível. Fico totalmente coberto pelas águas e pela lama. Quase sem fôlego tento me retirar do veículo, mas o cinto de segurança fica travado. Com muita dificuldade consigo me libertar, mas a porta não abre. O temor me invade a alma e o medo apodera de meus pensamentos. Mal consigo enxergar o que está a minha frente. Todos os vidros de janelas e portas do veiculo estão fechados, sujos e embaçados pela lama escura. A respiração ofegante toma conta de meu corpo. Penso em minha esposa e meus dois filhos. Será que não os verei mais? Quase desfalecido consigo quebrar o vidro de uma das janelas e, me arrastando, consigo sair de dentro do carro. Rastejando e deslizando na lama, consigo me jogar para o lado esquerdo das margens de uma estrada que nem sei se ainda existe. Casas, plantações, animais estão soterrados e alagados. Olho para um lado e para outro e não vejo qualquer sinal de vida. A paisagem é devastadora, só se vê barro e água suja ainda em movimento. Lembro-me do celular no bolso de minha calça, acreditando que poderia solicitar socorro. Com muita dificuldade, disco o número do chefe da Empresa para a qual trabalho, mas o atendimento é em vão. O telefone está mudo. Desesperado meu grito de socorro mal consegue sair da boca, muito menos de ser ouvido. Um ruído de motor consigo ouvir de longe. É um helicóptero fazendo círculos sobre minha cabeça. Tento levantar os braços para acenar que estou vivo, mas em vão. Mal consigo mover o corpo ferido e dolorido, muito menos os braços. É uma dor intermitente. Olho para o céu vejo o helicóptero sumindo lentamente. Será que não fui visto pelo piloto? Sinto a aproximação da morte. Meu corpo inerte parece desfalecer-se. Sinto tremura, arrepio e muito frio. Quero falar, gritar, mas a voz não sai e, mesmo que o fizesse, quem me ouviria? Há apenas um cenário deserto, coberto de resíduos, lama, areia, pedras, pedaços de galhos de árvores, carros, pneus, telhados de casas soterrados e ainda muito minério. O que está acontecendo? Será uma enorme enchente, chuvas torrenciais, tromba d’água, ou quem sabe um dilúvio como diz a bíblia? De repente uma idéia surge em minha mente. Aquela barragem que recolhia todo o rejeito de minério da companhia onde trabalho e para a qual me dirigia para minha jornada diária apresentava rachaduras e estava em manutenção... Pode ter rompido. Estava indo para lá. Faria revezamento de horário junto com meus colegas. Não consigo mais pensar, meu cérebro não responde mais aos reflexos do meu corpo, minhas vistas escurecem meu corpo fica inerte, apenas consigo ouvir com muita dificuldade mais um ruído de motor e me desfaleço com apenas um pensamento: estou dormindo, estou morrendo. O tempo passa e agora consigo abrir meus olhos e me vejo na enfermaria de um hospital ao lado de minha esposa e meus filhos que me abraçam chorando, copiosamente, e me dizem: pai, você está vivo, você está aqui e nós amamos você.

Gianetti Lopes Pereira
Enviado por Gianetti Lopes Pereira em 26/05/2020
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