186 - Quarentena
Esgotada a conversa monossilábica cada um se calou. O silêncio povoava-se, agora, de alusões mudas. Falavam os olhos, a postura do corpo, as mãos paradas numa ausência fria. Cada um deles voltou ao que pensava antes e ele imaginou-se a crescer na liberdade africana onde cada um ia onde quisesse mas onde o que poderia querer era o mesmo e pouco, repetido e curto. O destino principal era muitas vezes uma pessoa. A dificuldade estava muito no que diriam, no acanhado que era ser-se livre onde cada um vigiava o outro quase por instinto. E ia de noite quando os zelos abrandavam e os caminhos se enchiam de um vazio protector. Se o esperava, a luz do candeeiro percebia-se baixa, só para avisar que estava. Escutava. Se só o cantar das cigarras e o ladrar longínquo dos cães se ouvisse, avançava. A porta estaria encostada e haveria mãos que o veriam pelo tacto, o conduziriam ao quarto que ficava a três passos, à cama já aberta e já morna. Não falariam para não acordar ninguém mas haveriam de se amar como se pudessem dizer de amores e vontades. Cheiravam-se no meio do medo, beijavam-se com desespero e o sexo acontecia depois de muito tempo a contornar resistências rituais. Era pecado? De tão longe e no mais profundo da noite acho que não.