AS AVENTURAS DE UM CAÇADOR DE PATOS - PARTE 2
1. AS AVENTURAS DE UM CAÇADOR DE PATOS
Chapter # 2
Autor: Moyses Laredo
Outras aventuras de caça ao pato, se sucederam à primeira, ficou na vontade de todos a continuidade. Desta feita, saímos mais cedo já com o “Dengoso” abastecido na noite anterior, não se podia abastecer muito antes sob pena de levarem o combustível “emprestado”. Com o “Dengoso” de papo cheio, as compras feitas e com as bençãos da Sarita de que passaríamos dois dias seguidos, e ainda, na companhia dos mesmos companheiros da primeira expedição, desatracamos pontualmente às 8:33 h (pontualmente porque essa foi a hora mesmo!) Com o Dengoso singrando águas calmas, partimos reto em direção à boca do Janauari. A baia do Rio Negro estava calma sem ventos, portanto, tudo que o Dengoso queria para se mostrar. Na cozinha, a panela sobre o fogão jazia o almoço já pronto, made in Sarita, era um guisado no capricho com bastante verduras que nos esperava pacientemente para logo mais. Valentemente o Dengoso até que chegou bem mais rápido em seu destino, soube depois que o Saló trocou o óleo e os filtros de diesel, estes com mais de 600 anos, e fez o “garotinho” ganhar mais vida, até o barulho do motor mudou, acabou a fumaceira que fazia, vejam só, como o Dengoso retribuiu a gentileza do Saló.
Nós ancoramos quase no mesmo lugar, e como o tempo “avoa” nesses locais, logo estávamos com fome à procura do guisado da Saritinha, aquele que nem cachorro come, porque não sobra! À tarde, foi dedicada à pesca, o Saló, desta vez me requisitou, fomos na canoinha movida pela seu destemido motor de popa Evinrude de 2,5 HP, êita, como o bichinho andava bem, bem devagar, mas dava pro gasto, mas pra quê pressa?...saímos em busca de novos exemplares de tucunaré, desta vez o Saló deu sorte, pegou, na primeiro arremesso de canoa parada com linha comprida, (sem vara de pescar) um tucunaré açu (em Tupy Guarany quer dizer: grande, considerável, comprido, longo) de quase 8 quilos para o meu espanto, o peixe era enorme mesmo, lutou como um bravo Sioux, mas o Saló sabia muito mais do que ele e aguentou firme na linha, com fez o seu João "lombo-de-surubim, quando deixou a muié, que ele encantou e roubou depois, ficar louca desesperada vendo a ponta de sua “miratinga” de fora. Assim o Saló fez com o tucunaré açu fisgado, deixou o bicho se cansar. Como conhecedor que era, dos rios e seringais, disse, - “Vamos fazer a volta que a gente pega a fêmea” (sem saber eu, se o que havia pescado era o macho mesmo) e assim obedeci, virei a canoa de proa e ele lançou o anzol na mesma direção anterior, foi só bater a isca na água que a “fêmea” mordeu e lá recomeçou a mesmo luta anterior, essa “fêmea” de açu era bem menor, mas lutou com mais bravura do que o “macho”, dizem que é assim mesmo, a fêmea é mais braba até no mundo animal. Curioso, perguntei ao Saló como ele identificava o macho da fêmea, então ele me respondeu: - “O macho tem uma corcova grande quando está na fase do acasalamento”, pronto! Matou a charada. Jogamos as linhas mais algumas vezes, veio para mim, piranhas pretas, as bichinhas eram enormes também, acho que uns três quilos aproximadamente, mais parecia um “roelo” (filhote de tambaqui - não existe ainda esse termo nos dicionários).
À noite chegando, retornamos ao Dengoso para preparar a caçada do amanhecer, desta vez contaram que iríamos para mais longe, porque era lá o novo comedouro deles, ficamos animados, todos foram cedo para suas redes e como na outra caçada, fomos acordados de madrugada, coisa de 3:30 h, tudo bem, o que é combinado não é caro, o café já borbulhando no “vaso” (bule) e xícaras, também esmaltadas, o pacote de bolacha de motor na mesa, nos sentamos ao redor, a bom conversar sobre o dia, cada um arrumou suas tralhas como na outra vez, conferimos os cartuchos, me espantei com a quantidade que o meu irmão levava, coisa de um balde (um galão), cheio de cartucho de 12, eu perguntei dele -“pra quê tudo isso, meu irmão?”, então candidamente me respondeu: - “É que eu erro muito!” Parei! fiquei na minha, se era assim, porque falar mais...saltamos na canoinha, os quatros valentes ainda em plena madrugada, todos camuflados, iguais aos filmes de ataques do Rambo em praias inimigas, só faltavam as pinturas de graxa nos rostos, descemos na praia escolhida previamente, cobrimos a canoa com folhas de palheira e rumamos para o local escolhido, só não contaram pra nós que tínhamos que atravessar grandes áreas de chavascal, (alagadiços) a perna atolava até a altura dos joelhos, ai começaram os tropeços do meu irmão, ele constantemente se desequilibrava e quase caia n’água, eu que vinha logo à sua frente, era o seu amparo, me segurava pelo ombro e assim íamos seguindo o guia, e nada de se chegar ao tal local, quando se anda à noite no chavascal, bolhas de ar do fundo sobem pelas pernas, são gases da decomposição das folhas, dando a sensação de aranhas atacando, era comum a gente bater nas pernas, como se quisesse matar “aquilo”, igual como se faz com carapanãs, ainda por cima, tinham as raízes que nos faziam tropeçar vez por outra, por vezes pisava-se também em alguma coisa que se movia e saía nadando apressadamente debaixo das nossas botinas, era susto certeiro, o nosso medo era de jacaré, sabemos que é o único animal que não foge quando é atacado, se volta e contra-ataca. De repente, percebi que o meu irmão deixou de se desequilibrar, achei ótimo, finalmente ele conseguiu andar sem cair, ao me virar para trás, o vi se apoiando na culatra de sua espingarda, com o cano todo enterrado na lama, fazendo dela uma bengala, fiquei sem entender aquilo, à princípio pensei que havia conseguido um galho, depois foquei com a lanterna em cima dele, percebi mesmo que era a sua arma, imagine se ele fizesse um disparo com o cano todo entupido de lama, com certeza não se prestaria antes para executar a limpeza, visto que a usou para se equilibrar, já demonstrava tudo. Imediatamente, pedi-lhe a arma e dei-lhe a minha desmuniciada, temendo que ele fizesse algum disparo acidental – “Toma essa mano, mas não te apoia nela”, disse: -“vamos mais devagar se escorando por aqui nas beiradas”, enquanto isso, o guia e o Saló, já estavam bem longe, lá na frente, só se sabia que era por ali o caminho que eles seguiam porque deixavam um rastro toldado, pela lama do fundo, onde passaram. Seguindo as “pegadas” deles, nos aproximamos do local da caçada, e finalmente pudemos descansar um pouco, nesse momento, mostrei ao nosso guia a arma com o cano entupido, o seu espanto foi tamanho, com as mãos na cabeça disse que se ele disparasse com o cano desse jeito entupido de lama, o tiro sairia pela culatra e voltaria no seu rosto, com resultados fatais, rapidamente fizemos a limpeza e a devolvi ao meu irmão.
Passado esse pequeno imprevisto, todos se arrumaram em seus postos, do mesmo jeitinho da caçada anterior, seguindo a trajetória dos patos no alto das copas das árvores, e ficamos aguardamos suas vindas, para mais um abate coletivo. O segredo do bom tiro, era visualizar, com a alça e massa de mira juntos, bem à frente do bico do pato, afastando o cano coisa de um palmo. Durante sua passada, não se podia perder esse time, como a minha arma tinha oito cartuchos (sete na câmara e uma na agulha) era só contando os patinhos. Essa experiência foi conseguida com uma série de erros, nos treinos se perdia muitos cartuchos até conseguir essa performance, mas, quando tudo dava certo, e o tiro era certeiro, o pato mudava sua trajetória e caia bruscamente, assim ficamos até a claridade do dia surgir. Já dia claro, fizemos a coleta dos patos e retornamos à canoa deixada para trás, nesse retorno, pudemos ver por onde passamos à noite, haviam passagens muito mais fáceis a seguir, porém, na escuridão da noite, não se conseguia fazer essa escolha. Da canoa ao barquinho foi rápido, lá chegando, o Saló preparou um café, ralo que só, como dizem no nordeste “ralo que nem caldo de bila” (bila é bolinha de gude) com bolacha de motor, depois de um soninho reparador, partir para depenar, do meu jeito, uns dois patinhos para o almoço, alguém me ajudou, eles estavam bem gordos, rapidamente estavam limpos e cortados, uns carapanãs sobreviventes da acidez das águas insistissem em “morder” minha perna, umas boas espirradas de Baygon deu cabo na existência vampiresca deles.
Separei os miúdos para a farofa e o prato do dia no cardápio se configurou, seria um guisado, comuniquei ao Saló que abriu um sorriso e deu o aval dizendo, “vai lá paizano”. Uma coisa que até hoje me recinto é não saber fazer arroz soltinho, realmente tem um carma negativo, em todas as vezes que tentei deu errado, sempre empapava. Dessa vez, experimentei cozinhar tudo junto, ah, purra! pra quê muito cuidado, sabendo que o que fosse feito ali àquela altura, era comido, não tinha outra opção e nem escolha. Imaginei fazer um arroz tipo à carreteiro, coloquei duas xícaras de arroz com azeite, cebola e alho para fritar um pouco na panela de pressão ainda aberta, depois joguei os patinhos temperados com sal, pimenta do reino, juntei umas batatas, com um copo de água para o caldo e larguei fogo na chulipa, após pegar pressão, dei uns 30 minutos de chiadeira, pato selvagem a carne é dura, e seja o que D’US quiser. O aroma começou a invadir o ambiente apertado do Dengoso, a cozinha ficava na popa, aliás, era um fogãozinho de duas bocas sobre um caixote de madeira, mesmo assim só se ouviam elogios, todos estavam aguardando para cravarem seus dentes naquilo ali que estava sendo feito, acabei criando um novo prato regional, deram o nome de “Pato à Muxita” (esse era o apelido que o Saló aplicou em mim, quando criança) acompanhado com uma farofa de miúdos de: fígado, moela e coração, tudo bem picadinhos com cebola e cheiro verde, estava pronto o manjar, depois foi só elogios, pois não é que deu certo?
À tarde foi dedicada ao um breve sono reparador, uns foram colocar malhadeira (explicarei no próximo capítulo) e voltaram com lindas Matrinchãs, que fizeram a festa no dia seguinte em casa, a Saritinha fez umas recheadas. Assim termina essa emocionante aventura.