As lágrimas da noiva
Quando cheguei à festa de casamento de Ly Xuân, não encontrei ali mais de 40 pessoas à frente da casa modesta na aldeia: familiares, parentes próximos, e uns poucos vizinhos e amigos - como eu. Os presentes estavam se esforçando para demonstrar animação, mas o evento mais parecia um velório. E a noiva, bem... a noiva estava a um canto, chorando copiosamente e sendo consolada por pai, mãe e irmãs.
- É a tradição - comentei para um tio de Ly Xuân, Dô Tuân, enquanto enchia um prato com "cha gio", o equivalente vietnamita dos rolinhos primavera chineses.
- "Chorando como uma noiva no dia do casamento" - assentiu ele, repetindo o ditado popular. - Mas a minha sobrinha tem boas razões para estar se descabelando desse jeito.
- Além do fato de que terá que dividir a casa com Trân Thiên, a sogra? - Indaguei, enquanto banhava os rolinhos no molho.
- Pior - replicou gravemente. - Kiêu Gia foi convocado, segue para Hanói segunda que vem.
Mastiguei uns dois "cha gio" antes de responder.
- Bom, não posso dizer que estou surpreso. O Partido teve ao menos a delicadeza de esperar até depois da cerimônia de casamento.
- Sim. Ly Xuân não vai poder aproveitar muito a vida de casada... ao menos, até Kiêu Gia voltar. E ninguém sabe exatamente quando será isso...
Dei de ombros.
- O Vietnã está em guerra. Todos temos que fazer sacrifícios.
O choro de Ly Xuân parecia agora mais controlado. Comi mais dois "cha gio" e depois me aproximei da família, para entregar meu presente e dizer algumas palavras de conforto para a noiva.
- Não era preciso, camarada Edik - surpreendeu-se o pai, ao receber a caixa de papelão das minhas mãos.
- Espero poder trazer o sorriso de volta ao rosto de Ly Xuân, camarada Dô Trong - redargui.
Ly Xuân lançou-me um olhar de gratidão por entre as lágrimas, o qual ampliou-se ao ver o que a caixa continha: um rádio transistorizado VEF-206, fabricado na União Soviética, com nada menos do que 8 faixas de recepção.
- Lembre-se sempre de quem são seus verdadeiros amigos - ressaltei, apontando o local do mostrador onde haviam sido gravados os nomes de algumas cidades europeias, para facilitar a localização das principais estações. - Aqui há Moscou, mas não Pequim.
Ly Xuân enxugou as lágrimas e tentou sorrir.
- Fico-lhe muito grata, camarada Edik - ela declarou. - Sei que em Hanói, Kiêu Gia poderá contar com sua inestimável orientação.
Um quarto de século depois desta conversa, fui convidado para o casamento da primogênita de Ly Xuân e Kiêu Gia, na Cidade de Ho Chi Minh. A União Soviética não existia mais, e o Vietnã estava unificado. A amizade entre os nossos países, contudo, bem como a que me unia à família de Ly Xuân, havia resistido à prova do tempo.
- [06-04-2020]