A profecia de Mãe Shipton

Dois meses após a derrota do príncipe Ruperto do Reno e de seu cão "mágico", Boye, tendo o Yorkshire sido retomado pelas tropas parlamentares de Oliver Cromwell, decidi pagar uma visita à gruta da famosa Mãe Shipton, em Knaresborough, com minha companhia de mosqueteiros.

- É a principal atração turística da região - informou-me desnecessariamente Udric Veldon, o meu intendente.

- Meu interesse em Mãe Shipton não é exatamente turístico - expliquei, enquanto cavalgávamos para o lugarejo. - Agora que Boye está morto, precisamos de uma boa predição da velha bruxa narrando o ocorrido. Isso ajuda a construir o discurso da causa parlamentar, como pode imaginar.

Veldon encarou-me, intrigado.

- Como assim... Mãe Shipton previu alguma coisa das nossas lutas contra os realistas?

- Não necessariamente. Mas podemos preencher os espaços em branco; e se não os houver, espero receber alguma sugestão do espírito da velha vidente - comentei despreocupadamente.

A gruta ficava numa floresta, como bem convinha a uma bruxa. Apeamos, e fomos eu e Veldon dar uma olhada no local. Vista de fora, a entrada lembrava uma caveira.

- Que lugar sombrio! - Comentou Veldon. - E há aqui também uma fonte que transforma tudo em pedra, como na lenda de Medusa...

- Podíamos engarrafar a água e vender para cavalheiros com problemas de ereção - ponderei.

Entramos na caverna, que além de ser escura e úmida, nada tinha de especial. Todavia, antes de sair, levei a mão à têmpora direita e exclamei:

- Espere! Estou recebendo uma mensagem...

- Deveras? - Indagou Veldon, surpreso.

- Creio que é a própria Mãe Shipton quem está me falando - prossegui, olhos fechados. - Sim, Mãe Shipton, estou ouvindo...

E quando saímos da gruta, eu já tinha pronta uma quadrinha para imprimir nos folhetos de propaganda parlamentar que iríamos distribuir por todo Yorkshire:

"Do príncipe o cão feroz

sofrerá por gula morte atroz

levando confusão ao rei tirano

por terra posto seu plano"

- O que acha? - Indaguei a Veldon, quando este terminou de anotar o meu ditado.

- Perdoe-me, tenente - ponderou ele. - Mas creio que depois que morreu, Mãe Shipton foi estudar poesia em Londres.

- É preciso ocupar de alguma forma a eternidade - retruquei, sem me abalar.

- [14-03-2020]