Até um dia

O confronto entre tropas da União e confederados havia terminado há pouco mais de uma hora, com o dia ainda claro; foi então que os padioleiros legalistas adentraram o campo de batalha, em busca de sobreviventes. As ordens eram claras: recolher apenas os feridos que pudessem potencialmente ser salvos no hospital de campanha, montado no celeiro de uma fazenda próxima. A análise era rápida e visual; soldados com crânio aberto, ferimentos profundos no tronco e grande perda de sangue, sequer eram considerados para resgate e abandonados à própria sorte, na maioria dos casos: simplesmente não havia como tratá-los com as técnicas médicas e meios disponíveis da época. Já os homens que haviam perdido membros, por tiros ou explosões, por exemplo, eram o alvo principal da atenção dos padioleiros.

Esse foi precisamente o caso do coronel Ichabod Taggert, que havia tido o braço esquerdo estraçalhado por uma bala de canhão confederada; atendido rapidamente por seus homens ainda no campo de batalha, teve o antebraço amarrado com um torniquete e ficou deitado sobre uma manta, à espera de socorro. Os padioleiros o recolheram e o colocaram numa carroça junto com outros dois feridos em condições semelhantes, seguindo o cocheiro imediatamente para o hospital de campanha, onde os cirurgiões, aventais tintos de sangue, aguardavam.

- O que vai ser, doutor Miller? - Indagou o jovem cirurgião-assistente, Eliakim Anderson, que havia sido designado para sua primeira missão de campanha.

A mesa de cirurgia era uma prancha de madeira. Enquanto um paciente era operado, outros já aguardavam em macas ao lado. Os procedimentos eram executados muito rápido, como numa linha de montagem.

- Amputação - decretou o cirurgião, dando uma rápida olhada para a perna esmigalhada do soldado que acabara de ser trazido.

- Doutor! Não tem como salvar a minha perna? - Gemeu o rapaz, dentes cerrados de dor.

- Você escolhe: ou corto a sua perna ou morre de gangrena. O que prefere?

Ninguém queria morrer de gangrena. Anderson colocou um funil com uma esponja embebida em clorofórmio sobre a boca e o nariz do rapaz, e marcou o tempo em seu relógio de bolso. Aguardou até que o soldado perdesse os sentidos, e passou para o próximo. Finalmente, chegaram ao coronel Taggert.

- Sabe que não temos alternativa, coronel - declarou o cirurgião.

- Eu sei... - replicou Taggert. - Que seja rápido. E dou graças a Deus por ter sido o braço esquerdo, e não uma perna. Ainda vou poder atirar, e montar a cavalo.

- Certamente, coronel, certamente - tranquilizou-o Miller, fazendo um sinal para o assistente.

- Espere! - Exclamou Taggert. - Tenho uma pergunta a fazer.

- Naturalmente, coronel. O que deseja saber?

- O que vão fazer com o meu braço amputado?

- Vai para uma pilha de descarte lá fora, senhor - explicou Anderson. - Depois, enterramos.

Taggert fez um vigoroso sinal negativo com o braço intacto.

- Não! Vou querer o meu braço de volta... que seja conservado em formol e remetido para a minha casa, na Virgínia, onde será sepultado. Quando o restante do corpo morrer, estarei inteiro de novo.

Cirurgião e assistente entreolharam-se.

- Assim será feito, coronel - prometeu Miller.

Em seguida, Anderson aplicou o anestésico sobre o rosto do coronel.

- [11-02-2020]