Conversa de bar
A mineradora de Nova Iorque para a qual supostamente eu trabalhava - a Standard Mining - provavelmente jamais se tornaria conhecida pela descoberta de grandes jazidas de minério, mas certamente era uma forte candidata a um prêmio de originalidade pelos seus métodos de prospecção. Num tempo em que a fotografia ainda era uma curiosidade de laboratório e os balões sequer eram dirigíveis, a pretensa mineradora representada pela minha pessoa, começou a veicular para eventuais interessados que Sonora seria palco de uma experiência pioneira no campo do reconhecimento aerofotográfico.
- A máquina voadora que será utilizada neste trabalho está sendo construída justo agora nas oficinas da empresa, em Nova Iorque - assegurei eu solenemente para uma plateia constituída basicamente de caixeiros-viajantes e comerciantes de gado, no bar do hotel onde ficara hospedado.
- É a coisa mais maluca de que me lembro ter ouvido em toda a minha vida - opinou pachorrentamente um fazendeiro de cabelos brancos e rosto curtido pelo sol do deserto. - Se Deus quisesse que voássemos, nos teria dado asas, senhor Wilson.
- Desculpe, senhor Sullivan, mas para mim isso é o mesmo que dizer que se Deus quisesse que trabalhássemos, não nos teria dado escravos.
Alguns dos presentes riram baixinho, mas o fazendeiro Sullivan não pareceu muito impressionado.
- Não há muito espaço aqui, na Sierra, para escravos, senhor Wilson. Não queira comparar o povo dessa terra com os senhores de escravos das grandes plantações do Mississípi. O trabalho na mineração sempre foi tarefa de homens livres, e muitos de nós vieram da costa leste, não do sul do país.
Várias cabeças balançaram ao redor em concordância. Uma delas, percebi rapidamente, havia sido a do homem de suíças vermelhas conhecido por Mike Gore, cuja cartola branca repousava no momento sobre o balcão de madeira escura do bar. Ele tinha uma caneca de cerveja na mão e acompanhava a minha conversa com franca curiosidade.
- Certamente, senhor Sullivan, que uma terra onde o trabalho é exercido por homens livres - não importa aí a sua cor ou nacionalidade - sempre terá maiores probabilidades de progredir do que aquelas outras onde esse destino foi entregue às mãos e aos pés de escravos. É fato que o Império Romano foi o maior de todos os tempos, mas mesmo ele sucumbiu ao peso de sua política escravocrata. Tenho fé em que o povo da América não continuará incidindo neste erro por muito mais tempo.
Da ponta do balcão, Mike Gore ergueu a caneca de cerveja em saudação e tomou um longo gole.
- Ora, senhor Wilson - ponderou Sullivan, sorridente - como então saímos das máquinas voadoras para o Império Romano; foi uma volta bastante longa, essa! Quanto a questão dos escravos, há um provérbio texano que resume bem a história: o melhor lugar para encontrar uma mãozinha que lhe ajude, fica bem no fim do seu braço!
Os presentes riram com gosto da tirada do velho fazendeiro e eu tive de admitir que ele soubera encerrar a discussão de modo bastante elegante.
- E com essa, creio ser obrigação da Standard Mining pagar uma rodada de cerveja para todos! - Anunciei, fazendo um sinal para o garçom servir os presentes.
Foi nesse instante que Mike Gore resolveu aproximar-se de mim e começou por estender-me a mão, a qual apertei.
- Senhor Wilson ? Lembra-se de mim?
- Como não ? O cavalheiro que tão gentilmente me orientou sobre os locais onde eu poderia efetuar os testes com a máquina voadora da “Standard Mining”... Michael Gore, correto?
- Apenas Mike, senhor Wilson - respondeu ele, exibindo um sorriso de dentes amarelados pela nicotina.
- Se estamos usando os primeiros nomes, terá de me chamar de Hiram, Mike.
- Seja então... Hiram - disse ele, tomando outra golada de cerveja. - Naturalmente que estou curioso sobre essa sua invenção... na verdade, mais que curioso. Gostaria de ouvir detalhes sobre ela, caso fosse possível.
Olhei em torno, mas agora que a cerveja fora servida, ninguém parecia estar mais prestando muita atenção ao que eu falava.
- Naturalmente não poderei entrar em detalhes técnicos, Mike, muita coisa ainda vai ser patenteada - desculpei-me, baixando a voz como se temesse a presença ali de algum improvável espião industrial.
- Naturalmente que tem razões para querer preservar os segredos de sua companhia - apressou-se em dizer ele - mas eu ficaria feliz em conhecer apenas o que possa me revelar sobre esse extraordinário invento e que esteja disponível ao público em geral. Eu sou um apaixonado por máquinas voadoras!
“Certamente que é”, pensei eu lá com meus botões. Mas o que fiz realmente foi lhe dar um tapinha amigável nas costas e apontar para uma mesa afastada no fundo do bar.
- Que tal nos sentarmos ali enquanto conversamos e apreciamos essa boa cerveja? Claro, não é tão boa quanto aquelas de Munique, mas...
- Particularmente, prefiro cerveja inglesa - respondeu Gore em tom neutro, pegando a cartola sobre o balcão e me acompanhando em seguida.
- [18-01-2020]