O prospector

Os dias turbulentos da Corrida do Ouro haviam passado sobre Sonora, no sopé da Sierra Nevada, e com eles boa parte da população flutuante que chegara a quase 20 mil habitantes no início dos anos 1850. No verão de 1858, como comprovei ao chegar na cidade, não era tarefa das mais difíceis conseguir vaga num dos hotéis do centro.

- Então o senhor representa uma companhia de mineração de Nova Iorque, Sr. Wilson? - Perguntou-me esperançosamente o gerente bigodudo, enquanto me informava na recepção sobre os quartos disponíveis.

- Trata-se apenas de um levantamento preliminar - respondi, deitando um pouco de água na fervura. - A empresa está desenvolvendo um novo método de extração de ouro diretamente das rochas, mas é preciso saber se ainda há metal suficiente para justificar uma exploração em larga escala.

- Naturalmente que há! - Animou-se o gerente. - Extrair ouro usando métodos científicos é o que falta para Sonora voltar a crescer. Certamente o que não temos mais aqui é espaço para garimpeiros de bateia na mão...

- É justamente o que pretendo averiguar nos próximos meses - afirmei. - O seu hotel vai me servir como base de operações.

- Estamos ao seu dispor para o que for preciso - assegurou-me o gerente, cofiando o vasto bigode.

Acabei ficando com um quarto amplo e arejado no segundo andar, de cuja janela se avistava uma simpática igreja de tijolos vermelhos no fim da rua. Deixei alguns mapas do Arizona e apontamentos sobre prospecção de ouro em Sonora sobre a escrivaninha para despistar eventuais xeretas, lavei o rosto e as mãos e saí para dar um giro a cavalo pelas redondezas levando ferramentas de geólogo numa bolsa. Precisava ser visto trabalhando pelo maior número possível de pessoas para não despertar suspeitas. Afinal, eu não estava ali procurando ouro, mas algo potencialmente muito mais valioso.

Esta rotina repetiu-se pelos dias seguintes e eu fui visto circulando pelas barrancas devastadas do rio Tuolumne e pelas margens do rio Stanislaus, coletando amostras. Cheguei a ir tão a leste quanto a aldeia dos índios miwok e tão a oeste quanto o lago Don Pedro, nunca me negando a dar dois dedos de prosa com as pessoas que encontrava pelo caminho e que invariavelmente ficavam curiosas com a presença de um estranho recolhendo pedaços de rocha.

Finalmente, numa sexta-feira à tarde, retornando de uma de minhas expedições de um dia como geólogo amador, vi meus esforços coroados de êxito. Reconheci imediatamente o homem que cavalgava em sentido contrário ao meu no caminho para Jamestown: grossas suíças ruivas sob uma cartola branca, casaco e calças de montaria marrons e um inacreditável guarda-chuva vermelho sob o braço esquerdo.

- Boa tarde, cavalheiro! - Saudei amistosamente, fazendo sinal de que precisava falar-lhe.

- Boa tarde - respondeu ele em tom neutro, reduzindo a velocidade do seu animal.

- Eu sou Hiram Wilson, inventor - apresentei-me. - Estou aqui em Sonora como representante de uma empresa de mineração de Nova Iorque, mas também procuro um local alto e plano para testar uma de minhas novas invenções. O senhor poderia indicar-me algum lugar com estas características aqui por perto?

O homem olhou-me com desconfiança e coçou a cabeça sob a cartola.

- Um local alto, o senhor diz? Que espécie de invenção é essa, Senhor Wilson?

- Uma máquina voadora - respondi candidamente.

- [13-01-2020]