Jantando Ás de paus

— Okarin! Okarin!

— Achou mais migalhas?

— Melhor.

— O quê?

— Um baralho.

— A janta é sua parte.

— Ora, acabamos de comer o mundo inteiro. Eu não tenho ânimo para ir atrás de mais, vamos afiar nossos machados...

— E que bem faz um machado afiado, se não tivermos forças nem para levantá-lo?

— Ora, você não cansa? Caçamos, estocamos, comemos; ou temos fome, caçamos, comemos, qual a diferença? Satisfações, necessidades, tudo passa; mas uma vitória no pôquer... Essa é eterna e inesquecível — seus olhos brilhavam. — Principalmente quando apostamos alto.

— Não se preocupe, o inferno não deixaria faltar este diabo. Teremos todo tempo no outro mundo para jogar. Além disso, nem temos o que apostar.

— Eu não vou conseguir me concentrar, imagine jogar no inferno? Toda aquela gente lamuriosa gritando, gemendo... Sem falar que no inferno, a única feição permitida é a tristeza sincera. E não há blefe com feições sinceras.

— Me dá cá essas cartas, Mitka.

— Esse é o meu garoto!

Okarin alinhou o maço bagunçado de cartas, segurou-lhe pela extremidade – dedos feito pinça – e o levantou acima da cabeça.

- Okarin, não!

Em um piscar de olhos, Okarin já sacara sua arma. O metal polido ardeu nos olhos de Mitka, cegando-o por um instante. O tiro, que ecoou nas paredes de lixo que o cercavam, rompeu o plástico velho, deixando um buraco limpo no centro.

- DESGRAÇADO. Nós podíamos ao menos vendê-lo! Você sabe quanto o cassino pagaria por um destes, tão bem conservado?! Você acaba de quebrar uma peça de museu, uma relíquia. Eu devia te matar por crime contra consciência histórica da humanidade! Você sabe quantas garotas da Pettite Label eu poderia alugar com todo esse dinheiro?

- Nós somos caçadores – vento assobiava pelo furo do baralho. – Se quer escavar trambolho antigo, fale com o Rodrick e pare de me encher a porra do saco.

O baralho foi ao chão e Mitka pegou o item tombado antes que o vento levasse. Sem bolsos vagos, ele enficou o trem no cano da arma, posteriormente até o considerou um bom agouro.

Mas caminhando em direção ao horizonte, ele não pôde evitar uma pergunta: será que dá para jogar pôquer com todas as cartas marcadas?