Oportunidade de negócio
Yasumoto Noriyuki acendeu um cigarro antes de responder. Sua expressão era de raiva, e soltar algumas baforadas talvez fosse uma alternativa melhor do que chutar latas de lixo ou caixas de correio.
- Quer saber a verdade? É tudo conversa fiada! O mesmo tipo de conversa fiada que usaram com os índios quando queriam tomar suas terras, só um pouco mais floreada e com as devidas garantias legais que duvido que irão respeitar.
- Mas estão dando garantias por escrito - tentei argumentar. - As propriedades confiscadas serão mantidas pelo Custodiante durante o período de confinamento...
Noriyuki me dirigiu um olhar duro.
- O Custodiante é representado por gente que antes da guerra estava de olho nas nossas propriedades... casas, fazendas, restaurantes, automóveis, barcos de pesca. Como imagina que irão cuidar dos nossos bens? Vão passar uma corrente e um cadeado nas portas e guardar as chaves, esperando que retornemos quando a guerra acabar?
Eu não sabia o que responder. Noriyuki prosseguiu, após mais uma baforada furiosa.
- Estive na rua Powell ontem; havia ali um restaurante que vivia sempre cheio, o Fuji Chop Suey. Pois agora, o Custodiante transformou o lugar numa repartição pública, com máquinas de escrever e escriturários nos compartimentos onde as pessoas comiam. Sabe para quê?
Balancei negativamente a cabeça.
- Para que aqueles dentre nós, que quiserem se antecipar à deportação e declarar seus bens ao governo federal, o façam de imediato. Você ao menos tem lido o "The New Canadian"?
E exibiu o exemplar do jornal da comunidade japonesa, que trazia debaixo do braço.
- Sim, alguma coisa... - concedi. - Eles têm publicado anúncios oficiais do governo, falando sobre as atribuições do Custodiante.
- E também desmontando o discurso de "proteção", que nos têm sido impingido - ressaltou, punho cerrado. - A Ordem 1665 fala explicitamente em expropriar propriedade privada dos cidadãos canadenses de origem japonesa, à discrição das autoridades. Como se fôssemos inimigos em guerra, não súditos da Coroa!
- Mas o que podemos fazer? Como iremos nos defender contra isso? - Questionei, apreensivo.
- Esse é o ponto... não podemos - admitiu Noriyuki. - Talvez a situação dos cidadãos de origem japonesa nos Estados Unidos ainda seja pior do que a nossa, depois de Pearl Harbor. Mas, definitivamente, não há como confiar neste governo, onde não temos representantes, nem nas autoridades do Custodiante.
Inspirou fundo, depois de soltar outra baforada enfurecida.
- Eu não posso colocar minha casa, meu carro, meu escritório, num cofre de segurança bancário... terei que acompanhar minha família quando formos levados para o "campo de internação". Mas antes, vou tirar tudo o que tiver dentro de casa, e seguir a recomendação que vi numa propaganda deste jornal.
Abriu a página, para que eu pudesse ver. Era um anúncio de guarda-móveis, oferecendo embalagem e armazenagem de artigos domésticos por "preços acessíveis". Numa situação de crise, alguém havia criado um novo e florescente nicho de mercado...
- [18-12-2019]