Amor à natureza
No início do novo século, viajei até o interior do estado de Nova Iorque, por onde não passara desde a Guerra Revolucionária. Que tremenda mudança ali encontrei, e ouso dizer, não necessariamente para melhor. As majestosas florestas, abrigo de toda sorte de vida selvagem, haviam sido quase que completamente postas abaixo e transformadas em toras e tábuas para a construção das casas e fazendas dos colonos vindos do leste. Onde outrora pastavam manadas de bisões, agora viam-se rebanhos de ovelhas e gado doméstico. Nas margens ribeirinhas, primitivamente ocupadas pelas aldeias dos iroqueses e suas lavouras de subsistência, agora viam-se cidades florescentes, espraiando-se pelas terras adjacentes como um símbolo orgulhoso da industriosidade de meus conterrâneos.
- Quase não reconheço estas terras - confessei ao reverendo Chauncey Bohannon, que havia me recebido com grande cordialidade em sua ampla casa de madeira nas cercanias da vila de Bentford. - Lembro-me que havia tanta fartura de caça e pesca na região, que os primeiros colonos muitas vezes não se davam ao trabalho de recolher os pássaros que matavam e os peixes pescados, deixando que apodrecessem pelos campos e à beira dos rios. Que pecado! A natureza aqui sempre foi pródiga e prodigiosa, agora me parece… bem… domada.
- Domada é a palavra correta! - Acedeu satisfeito o reverendo, cachimbo de barro na mão. - Imagine, toda esta terra intocada, coberta por florestas tenebrosas, morada de toda espécie de besta selvagem perigosa… um verdadeiro desperdício! Os índios, preguiçosos como são, jamais exploraram mais do que uma fração do potencial do território que ocupavam. Suas mulheres plantavam milho nas várzeas e os homens usavam as florestas apenas para caçar e recolher alguma lenha… desperdício! Agora, toda essa madeira serve aos propósitos da civilização, que, como deve perceber, são os propósitos de Deus! Plantações de milho no lugar de florestas, para prover alimentos para a nossa população!
- Então o reverendo crê que é nosso destino desbastar florestas e exterminar a vida selvagem? - Questionei.
- A Criação existe para usufruto do homem - declarou solenemente o reverendo. - Se assim não fosse, Deus não teria nos dado supremacia sobre ela.
E estendendo a mão para abarcar os campos cultivados ao redor de sua fazenda:
- Não lamente a destruição da natureza selvagem. O que você vê aqui, também é natureza, mas uma criada pela mão do homem através do engenho que lhe concedeu o Criador.
De uma coisa eu estava certo: os colonos detestavam árvores. Seja lá por qual razão fosse, preferiam ver um terreno descampado do que ostentando uma potencial fonte de sombra. O reverendo riu quando fiz esse comentário.
- Então não percebeu o motivo? Homem, esse é o símbolo da nossa vitória sobre o sertão! Quando aqui chegamos, terra não se via, era tudo coberto por esse desperdício verdejante… nós não comemos árvores, você sabe. Precisamos da terra para plantar e criar nosso gado.
- E o que será das futuras gerações, reverendo, que não conhecerão toda essa fartura? - Ponderei. - Será que não recriminarão seus pais e avós, por não terem sido previdentes na preservação de um pouco dessa natureza selvagem que todos aqui parecem tão sinceramente odiar?
- Quando nosso trabalho houver terminado, e pouco restar que possa ser chamado de "selvagem"… e me refiro também aos iroqueses que antes habitavam estas terras… então, talvez estes futuros nova-iorquinos possam lamentar um passado que jamais conheceram - concedeu. - Mas que saibam eles, devem a segurança do seu futuro à nossa luta árdua, contra os rigores impostos por uma natureza hostil.
No fundo, eu sabia, o reverendo estava certo. Embora isto não significasse que o remorso fatalmente não viria.
- [16-12-2019]