1122-ÓRFÃOS DE GUERRA-3-ENCONTRO COM OS PARENTES
ENCONTRO COM OS PARENTES
Os Órfãos da Guerra – 3ª. parte
Após despedirmo-nos de nosso “assistente” Rodolfo e sairmos da rústica construção que funcionava como aduana, caminhamos na direção de uma pequena praça onde havia alguns veículos.
— Vamos contratar um taxi para nos levar até o local onde moram seus parentes —Meu marido Tomaz mantinha aparente calma calma enquanto eu olhava assustada para todas direções, como se a qualquer momento policiais apareceriam e pediriam meu passaporte... e tudo o mais que poderia acontecer de ruim.
Quando chegamos á pracinha, vimos que os veículos eram todos da polícia. Apenas um caminhão com carroceria coberta por improvisada lona tinha a aparência de um veículo que poderia nos levar a algum lugar. O motorista estava recolhendo o pagamento de diversas pessoas que subiam na carroceria por uma escada de madeira.
— Pombas, parece um coletivo. — Tomaz fez uma cara de desconsolo. — Vamos ver do que se trata.
Entramos na pequena fila, pois apenas duas pessoas estavam na nossa frente. Quando meu marido perguntou em inglês para onde ia aquela geringonça, o motorista/cobrador não entendeu a pergunta, mas respondeu prontamente:
— Pilsen. Pilsen.
Pagamos a passagem com dinheiro da Tchecoslováquia e subimos na carroceria do caminhão. Havia dois bancos laterais, nos quais já estavam alguns pasageiros, homens e mulheres todos vestidos muito simplesmente. Alguns cvonversavam. Tentamos estabelecer conversa em inglês, mas ninguém compreendeu ou fingiu compreender.
O caminhão partiu. Desnecessário dizer que foi uma viagem extremamente desconfortável e sem qualquer segurança. Foram cinquenta minutos por uma estrada de leito que fora asfaltada mas que apresentava cicatrizes da guerra, cheia de buracos.
Não só a estrada estava semidestruída como eu podia ver, ao longo do percurso, as ruínas das propriedades rurais e de edifícios, testemunhas da guerra. Diferente da Alemanha Ocidental, onde vi muita movimentação de pessoas e veículos reconstruindo o que a guerra arrasara.
— Lá na Alemanha Ocidental está entrando muito dinheiro americano para a reconstrução, a fim de reerguer o país— explicava-me Tomaz. — Tudo para enfrentar que o comunismo se expanda mais ainda.
Depois de quase uma hora de sacolejos e sol inclemente (que o teto de lona pouco protegia), chegamos.
A cidade não estava muito destruídas e havia gente pelas ruas. Na praça principal acontecia um comício ou alguma reunião: um pequeno grupo de pessoas ouvia um homem discursando ou expondo algo.
Descemos do veículo e localizamos um hotel pela placa semi-destruída acima de uma pequena porta. Entramos e fomos atendidos por uma senhora idosa que entendeu nosso inglês arrevesado.
Era por volta das cinco da tarde. Tomamos banho num precário recinto que tinha um chuveiro sobre o banheiro, uma pia, o vaso sanitário. Pequeno armário com espelho minúsculo e cabides para dependurar toalhas e roupas.
De roupas trocadas, e voltamos à portaria, para nos infomar sobre restaurantes, pois passamos praticamente o dia sem comer.
Encontramos um senhor de aspecto sério que se apresentou como “Herr” Hermann. Diferente da senhora idosa, conversava em bom inglês e nos poucos momentos que mantivemos uma pequena conversa, respondeu não só as nossas perguntas do momento, para um jantar, como também nos disse que era professor de inglês, demitido do colégio onde lecionava e agora fazia bicos com aquele. Era chamado onde necessitavam de sua ajuda.
Antes de sairmos para procurar um restaurante ou lanchonete, marcamos com o prestimoso Herr Hermann um encontro para a manhã seguinte, pois ele se oferecia como guia para nossa procura de parentes.
* * *
Na manhã seguinte acordamos repousados, recuperados do cansaço e da tensão do dia anterior. Trocamos de roupa e fechamos as malas pois pretendíamos sair à procura dos meus parentes logo após tomarmos o café.
Qual nõ foi nossa surpresa ao encontramos Herr Hermann à nossa espera, sentado á uma pequena mesa, ali mesmo na portaria, servida com um lanche simples.
— Por favor, um lanche antes de sair para procurar seus parentes. Desculpem a pouca variedade. É que sofremos racionamento de alimentos.
Enquanto tomávamos o café, Herr Hermann explicou:
— O endereço que vocês me mostram fica num local de pequenas propriedades ruraisque ainda não foram coletivizadas, isto é, o governo ainda não tomou dos proprietários. Formam quase que uma vila. Fica a mais ou menos cinco quilômetros daqui. Nós vamos em um carro que aluguei para o senhor Tomaz, que poderá ir dirigindo. Ou eu mesmo vou na direção.
Tomaz, que já tinha visto o estado da estrada pela qual viemos, disse:
— Melhor o senhor dirigir.
Entramos no pequenino carro, confiados inteiramente no ex-professor de inglês. Ele dirigia com perícia e cuidado, evitando os buracos. Meia hora depois chegamos ao local: uma espécie de vila, com talvez vinte casas.
— Este local é conhecido como Klebendorf. Sua família deve ser bem importante para dar nome a uma vila.
Parou o carro defronte a uma das casas, que correspondia ao numero do endereço. Descemos e enquanto esticávamos os braços e pernas, a porta da casa foi aberta e surgiu uma senhora alta, ruiva, face corada, vestida com trajes de camponesa(imaginei): saia longa, um avental, e calçado rústico. Trocou algumas palavras com Herr Hermman e então se abriu num sorriso franco e correu para nos receber.
— Disse quem são vocês e que vieram para visitá-la e aos demais membros da família.— explicou o nosso guia.
Trocamos abraços e ela me beijou no rosto. Falava alegremente, não parava de sorrir e, com gestos nos convidou a entrar em sua casa. Nosso tratutor nos sequia de perto e ia traudzindo o que ela falava, ou nossas respostas em inglês.
Estramos numa sala de visitas, com mobiliário antigo e bem conservado. Vieram então as identificações. Ela era minha tia Egberta, a quem havia enviado pacotes de gêneros, roupas e calçados. Seus olhos marejaram quando falei que não recebia mais mensagens e ela explicou que o governo, depois da guerra, havia proibido que eles, os moradores, recebessem donativos de outros países.
Dona Egberta chamou alguém. Apareceu uma mocinha que apresentou-nos como sua neta. Depois, mandou-a que fosse às casas dos outros parentes, com a notícia.
O nosso tradutor era eficiente e rápido, de forma que pudemos entender tudo.
Logo chegaram outros parentes, que eram apresentados à medida que se adentravam. Todos se mostraram alegremente surpresos, pois, segundo diziam, jamais havia recebido uma visita tão honrosa. Penso que jamais tinha recebido visitas de estrangeiros.
A neta, Stefany chamou algumas pessoas para o interior da casa. Ficamos conversando e daí algum tempo, a tia Egberta nos convidou para um almoço. Já era por volta de uma hora da tarde. A fome já batia nos nossos estômagos e a refeição veio a propósito.
Foi uma refeição simples. Todos se queixavam do racionamento de tudo, principalmente de alimentos. Havia dificuldade em adquirir roupas e calçados porque as fábricas haviam sido nacionalizadas, isto é, passaram a pertencer ao governo. Muitas fecharam e a produção caiu, os produtos desapareceram do mercado.
Depois do almoço, a tia nos convidou para sentarmo-nos numa espécie de alpendre que havia atrás da casa. Local agradável, e como a casa estava numa posição altaneira, pudemos obervar a região até bem longe, com pequenos tratos de terra, a maioria pertencente á família dos Klebenwiz.
Durante a tarde, foram chegando mais parentes, alguns de locais afastados. Todos simples, trajando roupas gasta, calçados muito usados e chapéus amassados e manchados pelo uso. Mas todos de bom humor e sentindo-se alegres com nossa presença.
Muitos tinham combatido na guerr, e não gostavam de falar de suas experiências, alguns mostravam cicatrizes nos rosto, nas testas ou nos braços. Um deles, chamado Elrich, me causou uma profunda pena: tinha perdido as duas pernas e se locomovia sobre um carrinho de quatro rodas, baixo, que ele mesmo impulsionava com as mãos.
Contaram-me que era conhecido como “homem-passaro”. Fiquei curiosa e me explicaram a história: uma história de superação. Uma história tão fantástica que contarei aos leitores na continuação desta narrativa.
Quando nos demos conta já anoitecia. Stefany convidou para entrarmos e deparamo-nos com uma mesa lindamente arrumada para o lanche.
Após saborearmos as iguarias típicas da família, chegou a hora das despedidas. Nossa ideia era voltarmos para a Alemanha Ocidental no dia seguinte. Mas os pedidos de tia Egberta, de Stefany e de outros parentes foram tão insistentes que, olhando para Tomaz, e ele me olhando também, resolvemos que, sim, voltaríamos no dia seguinte.
Entramos no valente carrinho alugado por Herr Hermann e retornamos à cidade.
* * *
No dia seguinte, repetiu-se o ritual do café da manhã na portaria do hotel. Quando tomamos o carro, Tomaz quis dirigir para “sentir o carro”, no que se deu muito bem.
Quando chegamos à vila Klebendorf, havia já uma pequena multidão nos aguardando defronte a casa de tia Egberta. Eram os parentes (e amigos, creio, pois era muita gente) que tiveram conhecimento de nossa visita à noite, quando a notícia se espalhou levada pelos parentes presentes no dia anterior.
Havia um tipo de camaradagem, um contentamento entre todos, que falavam ao mesmo tempo e se abraçavam e se beijavam constantemente. O professor Hermann se esforçava ao máximo para que nosso entendimento fosse perfeito.
Ouvimos histórias e mais histórias. Muita tragédia, sofrimento, perdas. Desaparecimentos.
A região, assolada pela guerra desde os primeiros dias, fora duramente atingida por bombas, movimentos de tropas, canhoneios, invadida por alemães e por russos, enfim, por todas as desgraças ocasionadas pela convulsão.
Mas algumas narrativas mostravam a resistência do povo. E histórias cômicas, principalmente as trapalhadas dos oficiais e soldados russos, que ainda ocupavam o país.
Enfim, chegamos ao entardecer do segundo dia de visitas e achei que meu sonho de visitar e conhecer os parentes, ainda que distantes, estava realizado.
Despedimos com tristeza da partida, e eu e eiversas tias e primas com os olhos marejados. Abraços e beijos de todos e para todos.
A volta à cidade, o segundo pernoite no modesto hotel jaó não tinha mais novidade. Na manhã seguinte, conforme combinado com o professor de inglês e nosso guia, tradutor e anjo da guarda. Nosso percurso no carrinho alugado por Herr Herman
Foi marcado por minha ansiedade, pois ainda tinha minhas dúvidas da validade daquele papel assinado por um oficial russo em troca de meu passaporte.
Inútil preocupação. Ao chegarmos no posto da fronteira, meu passaporte foi devolvido imediatamente quando apresentei o documento meio amassado.
Fizemos o acerto com Herr Hermann do aluguel do carro e pela sua preciosa assistência nos dois dias de visitas á minha família. Despedimo-nos emocionados, pois a simpatia e a gentileza dele não tinham preço. Tornamo-nos amigos em tão pouco tempo.
A viagem de volta ao Brasil, via Frankfurt, foi sem incidentes e por hora encerro aqui a minha narrativa. Ah! Dois casos interessantes— o caso do “homem pássaro” e as trapalhadas dos primos com os funcionários comunistas por dois carrinhos de mão —relatarei proximamente nestas fantástica “Infinitas Histórias”.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Sítio Estrela, 8 de setembro de 2019.
Conto # 1122 da série INFINITAS HISTÓRIAS.