No vai e vem dos teus quadris
E tendo o príncipe Carlos Magno sido recebido com sua comitiva por Galifré, rei mouro de Toledo, e apresentado suas credenciais como embaixador do pai, Pepino, Rei dos Francos, foi homenageado com um suntuoso banquete no palácio, onde compareceram as principais autoridades de Toledo e a filha de Galifré, a princesa Galiana. Embora a jovem tivesse suas feições encobertas por um véu à moda muçulmana, o príncipe cristão não pôde deixar de perceber o quanto ela era formosa, e encantar-se com isso. Após a confraternização, convidado por Galifré para uma conversa reservada nos jardins do palácio, Carlos Magno arriscou-se a indagar sobre a disponibilidade da encantadora dama.
- Rei Galifré, juro por minha fé que jamais meus olhos mortais pousaram em tão sublime beleza quanto à de sua filha. Estaria ela comprometida?
O rei cofiou a barba negra.
- Comprometida não está, príncipe Carlos Magno. Mas Abenzaide, governador de Guadalajara, e meu irmão de crença, há tempos que vem tentando convencê-la a se casar com ele.
- Certo, mas... estaria vossa alteza interessado neste enlace? - Sondou cautelosamente o príncipe.
- O governador de Guadalajara é um homem de posses, e a união dos nossos territórios, que são contíguos, em muito ampliaria os domínios de Toledo - admitiu o rei. - Todavia, sinto que minha filha reluta em aceitar o compromisso.
- Estaria a princesa interessada em outro pretendente? - Indagou Carlos Magno.
- Se há algum homem que tenha encantado os olhos de minha filha, ela ainda não o nomeou - redarguiu Galifré.
E com ar matreiro:
- Mas após tantas indagações, devo perguntar-lhe se está aqui para tratar dos negócios de seu pai ou dos seus, jovem príncipe.
Carlos Magno pigarreou, embaraçado.
- Rei Galifré, embora os assuntos aqui levantados possam parecer pessoais, são de grande importância para o Reino dos Francos.
- É uma observação perspicaz - reconheceu Galifré. - Talvez esteja na hora de minha filha lhe ser formalmente apresentada, príncipe Carlos Magno.
E chamando o chefe dos eunucos, ordenou-lhe que fosse buscar a princesa Galiana no harém do palácio.
* * *
Não foi exatamente uma conversa reservada. Embora Carlos Magno e Galiana estivessem sentados frente à frente no salão de audiências do palácio real, toda a corte estava ao redor deles, à uma respeitosa distância, o rei em seu trono. Mas, dentro das circunstâncias, era o que se podia arranjar.
- E como é a capital do seu reino? - Indagou curiosa a princesa.
- Oh, Aachen é uma cidade encantadora - comentou Carlos Magno. - Na média, bem mais fria do que Toledo, mas temos fontes termais que possuem a fama de curar várias doenças.
- E as mulheres cristãs vivem em haréns?
- Não temos haréns. Nossas mulheres compartilham os mesmos espaços que os homens.
- Isso é interessante - ponderou Galiana. - E não há escravos e eunucos cuidando delas?
- Há servas, mas não escravos ou eunucos.
- E as cristãs conhecem a dança do ventre?
- O que é dança do ventre? - Carlos Magno ficou intrigado.
Galiana disfarçou e olhou em torno.
- Aqui tem muita gente. Me encontre à meia-noite no jardim dos fundos e lhe faço uma demonstração particular.
* * *
E ao chegar ao palácio do pai com sua comitiva e a jovem esposa recém-convertida ao cristianismo, Carlos Magno fez um resumo de sua missão a Pepino.
- Meu casamento com Galiana, princesa de Toledo, sela um acordo entre os francos e os sarracenos, visto que o rei Galifré é vassalo do Emir de Córdoba. Doravante, poderemos nos preocupar com o nosso inimigo comum: Bizâncio.
Tão satisfeito Pepino ficou com o desfecho da história, que nomeou Carlos Magno como seu herdeiro único, encerrando quaisquer pretensões do irmão caçula, Carlomano.
E conta-se que Galiana levou com ela duas jovens qiyān, para fornecer música para suas apresentações de dança do ventre perante o futuro Rei dos Francos e Imperador dos Romanos. As noites frias de Aachen, subitamente, tornaram-se muito mais calorosas daí por diante.
- [07-12-2019]