O simpósio

Enesidemos, acompanhado de dois de seus escravos que carregavam as cestas de compras, estava circulando pela movimentada ágora da cidade, quando avistou o filósofo Hermotimos ministrando uma preleção peripatética a um grupo de alunos.

- Acompanhem-me! - Ordenou aos servos, rumando em direção ao sábio. Este, percebeu, discorria sobre uma de suas obras favoritas, a "Economia", de Aristóteles, em frente a uma banca que vendia lentilhas secas.

- Que tipo de economia temos aqui? - Indagou o filósofo, fazendo um gesto para a banca, onde o mercador acompanhava com atenção o diálogo.

- Economia política, mestre - replicou um dos alunos, erguendo a mão.

- E como você sabe disso, Poliadas? - Questionou o filósofo, cofiando a barba hirsuta.

- Porque aqui estamos ao nível dos negócios citadinos... que envolve o comércio, como o desta banca de lentilhas.

- Muito bem - parabenizou-o Hermotimos. - E alguém saberia me dizer qual nível vem imediatamente abaixo da economia política?

Antecipando-se aos alunos, Enesidemos ergueu a mão e exclamou:

- Economia pessoal, mestre!

Hermotimos ergueu os sobrolhos, diante da interrupção.

- O cidadão está inscrito no meu curso de economia? - Indagou, mãos nas cadeiras.

- Não, mestre... - reconheceu Enesidemos, envergonhado. - Mas não resisti à tentação de participar da aula de um dos nossos filósofos mais importantes.

- Não obstante, a resposta está correta - replicou Hermotimos, encarando-o. - E porque a economia pessoal é a menos importante entre todas, saberia responder, senhor...?

- Enesidemos, mestre. Sim, de fato... é pelo fato de envolver transações com moeda. Poucas pessoas lidam diretamente com moeda no plano pessoal... empréstimos, e coisas assim - tomou coragem, e ergueu o tom da voz. - Mas eu entendo que há espaço para que a importância da economia pessoal cresça, e muito...

O filósofo o ouviu em silêncio, cercado por seus surpresos alunos.

- O senhor leu Aristóteles, decerto - declarou por fim.

- Naturalmente, mestre - acedeu Enesidemos.

- E crê que está em condições de revisar a obra dele?

- Não tenho esta pretensão mestre! - Apressou-se em explicar Enesidemos. - Apenas gostaria de acrescentar minha pequena contribuição ao assunto...

- Como o senhor ganha a vida, senhor Enesidemos? - Indagou Hermotimos.

- Eu... sou cambista, mestre.

- Ah, isso explica seu interesse pelo tema - avaliou o filósofo. - E do que se trata, essa sua pequena contribuição?

O rosto de Enesidemos iluminou-se.

- É um conceito novo no qual estou trabalhando, mestre... chama-se "crédito"!

- Crédito? - Repetiu Hermotimos intrigado.

- Funciona assim: eu lhe empresto uma quantia, a qual pode ser utilizada para comprar bens ou serviços, e esta é paga em parcelas, acrescida de juros - explicou Enesidemos.

Silêncio geral. Mestre e alunos o encaravam atentamente.

- Isto me parece violar o princípio fundamental de todas as economias, - redarguiu enfim Hermotimos - a de que as despesas não podem exceder os rendimentos. O seu "crédito", se bem o compreendi, gera uma renda artificial.

- Tudo é baseado em confiança - apressou-se a dizer o cambista, erguendo as mãos. - Mas, mestre, talvez eu pudesse lhe dar maiores detalhes em minha residência... gostaria de convidá-lo, e aos seus alunos, para um simpósio. Moro bem ao lado da Torre dos Ventos, é a casa que tem uma estátua de Ártemis com uma corça, no jardim.

Os alunos entreolharam-se, trocando sorrisos e olhares marotos. Um simpósio! Sinônimo quase certo de diversão, bebedeira, e flautistas seminuas...

- Não sou do tipo de homem que participa de certos simpósios desregrados - alertou altivamente Hermotimos.

- Sossegue, mestre - tranquilizou-o Enesidemos. - Será um simpósio unicamente para discutir ideias sobre economia, no mais alto nível... e sem bebedeiras, nem flautistas seminuas.

Os alunos murcharam, mas Hermotimos pareceu tentado.

- E quando seria este simpósio?

- Ao pôr do sol - sugeriu Enesidemos.

- Um novo dia, para discutir novas ideias - ponderou o filósofo. - Parece-me auspicioso. Mais alguém virá comigo?

Olhou em torno, mas os alunos subitamente pareciam ter se lembrado de que possuíam questões mais relevantes para o início do dia seguinte.

- Eu lá estarei - assegurou então Hermotimos para Enesidemos.

- Será uma grande honra, mestre! - Redarguiu o cambista, com uma vênia. E chamando seus escravos, voltou às compras, enquanto o filósofo retomava o tema da administração doméstica junto aos alunos.

- [20-10-2019]