Tatu Bola e Taco de Baseball enfrentam Massa Bruta - parte 2 de 8
Capítulo 2
Um garoto de bicicleta e um motorista de caminhão
No entroncamento das avenidas X* e A*, Massa Bruta, a gigantesca criatura humanóide, com o seu corpanzil disforme, seus músculos salientes, que lhe revestiam todo o corpo – e nenhum anatomista poderia identificar cada um dos músculos que lho revestiam – atraiu a atenção de centenas de pessoas, cujos olhares convergiam para ele, todas horrorizadas, boquiabertas, estupidificadas, abismadas, assustadas, amedrontadas, a respiração suspensa, incapazes de concatenar os pensamentos, petrificadas, como se o tempo houvesse cessado o seu curso. Não havia uma pessoa consciente, naquele momento. As pessoas regressaram à consciência quando Massa Bruta emitiu um urro tonitroante, que agitou folhas de árvores, deslocou cartazes, estilhaçou vidros de óculos, de veículos e de janelas de prédios.
– Curvem-se diante de Massa Bruta, o Conquistador! – declarou Massa Bruta, em tom de ordem; cavernosa, assustadoramente tétrica, a sua voz.
Pessoas corriam de um lado para o outro.
Muitos passageiros e motoristas de táxi abandonaram os veículos.
Das janelas muitas dentre as pessoas que haviam, curiosas, ao parapeito se debruçado para ver o que ocorria recolheram-se ao interior do prédio; outras, no entanto, a curiosidade a inspirar-lhes o desejo de conhecer o que se passava nas avenidas X* e A*, sobrepujando o medo que a atormentavam, conservaram-se ao parapeito das janelas, ou do interior do prédio rumaram ao parapeito, os olhares a convergirem para Massa Bruta.
Um garoto de uns doze anos, montado em uma bicicleta vermelha, tendo às costas uma mochila com o símbolo de um time de futebol espanhol, passou, lentamente, pela direita de Massa Bruta, a vinte metros dele, e, surpreendendo a todos, principalmente a Massa Bruta, e dirigindo-se a ele e atraindo-lhe a atenção, gritou a plenos pulmões:
– Você está no país errado, fórtão. Você está no Brasil, e não nos Estados Unidos!
Massa Bruta replicou-lhe, olhar petrificante a fitá-lo, com voz cavernosa, rilhando os dentes:
– Garoto idiota!
- Idiota é você, burrildo! – treplicou o garoto, sob o olhar escrutinador e terrivelmente demoníaco de Massa Bruta e os olhares temerosos das pessoas que testemunhavam a cena. – Onde você pensa que está, imbecil? Em Nova York? Você está em São Paulo, retardado – e em nenhum momento parou de pedalar, deslocando-se lentamente.
– Garoto idiota! – rosnou Massa Bruta. – Quebrarei todos os seus ossos – e deu os primeiros passos na direção do garoto de bicicleta que o tratara tão ousada e imprevidentemente sem tomar conhecimento dos seus atos.
– Ai! – exclamou o garoto de bicicleta ao ver Massa Bruta aproximando-se de si. – Meu Deus do céu! O monstrão está vindo me pegar. Caramba! Vai, bike, vai. Mais rápido! Mais rápido – e firmando os pés nos pedais, levantou-se do selim, os olhos muito abertos, mordendo os dentes, e acelerou as pedaladas. – Vai, bike, vai. Tire-me da enrascada, que eu comprarei pneus novos para você – e sentia os passos pesados de Massa Bruta aproximando-se de si.
Ziguezagueando por entre os veículos, o garoto de bicicleta, com a destreza de um ciclista profissional, deslocava-se, cada vez mais rápido, apesar dos obstáculos dos quais tinha que se desviar, sob olhares aterrorizados de muitas pessoas, que viam dele aproximar-se Massa Bruta.
– Só um milagre salvará o garoto – comentou um homem.
E Massa Bruta, esmagando carros e motos, deslocando, com o seu corpanzil disforme, ônibus e caminhões, arremessando alguns deles a vários metros de distância, corria no encalço do garoto de bicicleta, que usava todas as suas energias para dele escapar.
Massa Bruta arremessou, com o braço esquerdo, um ônibus contra um prédio.
O garoto de bicicleta acelerava as pedaladas.
Massa Bruta agarrou uma moto, e arremessou-a contra o garoto, que por puro golpe de sorte dela esquivou-se, sem que soubesse que Massa Bruta a arremessara em sua direção, no instante em que contornava, pela direita, um carro – a moto passou, zunindo, a um metro de sua cabeça, e foi colidir contra um caminhão cinquenta metros à frente.
– Diabos! – exclamou o garoto de bicicleta, assustadíssimo. – Maldito monstro! Tô perdido! Cacilda! Mamãe!
*
No prédio da emissora de televisão C*, reuniram-se Carla, Rodolfo e Larissa. Conversavam e assistiam à televisão imagens, transmitidas por telefones celulares, do que ocorria na intersecção das avenidas X* e A*. Eram as imagens impactantes; algumas registradas à distância, muitas não; todas exibiam uma parte do cenário devastado e a ação do protagonista do episódio: Massa Bruta.
– Que bicho é aquele? – perguntou Larissa, perplexa.
– Massa Bruta é o nome dele – respondeu-lhe Carla, num tom de voz tímido e inaudível.
– E o que ele quer? – perguntou Rodolfo mais para si do que para as suas colegas de trabalho.
Carla era uma morena de um metro e sessenta, magra, ossuda, quase esquelética. Diziam-lhe que ela era anoréxica, o que a irritava a ponto de fazê-la perder as estribeiras e replicar com obscenidades, levando os que lhe testemunhavam os rompantes de fúria às lágrimas de tanto gargalharem. Era atrevida e desbocada; não tinha papas na língua (ou nas línguas – diziam que ela tinha duas, como as víboras), e sempre envolvia-se em atritos com seus colegas de trabalho e seus superiores hierárquicos. Aos vinte e dois anos, solteira, diziam-lhe, excitando-lhe a bílis, que ela ficaria para titia porque nenhum homem gosta de chupar osso. “Sabem para que serve um osso?”, perguntava Carla aos engraçadinhos que lhe faziam tão desabonadores comentários, e todos dela afastavam-se, pois conheciam a resposta para a pergunta, para evitar escândalo, certos de que ela descarregaria uma enxurrada de palavras que as freiras não gostam de ouvir.
Rodolfo era um homem alto, esbelto, de um metro e noventa, com óculos a adornarem-lhe a cara de nariz adunco, lábios finos e descoloridos, testa larga, sobrancelhas espessas cujas extremidades internas tocavam-se na base do nariz. Devido a essa peculiaridade de sua fisionomia alcunharam-no Monteiro Lobato; outros o apelidaram Visconde de Sabugosa, ou Sabugo Científico, porque tinha ele o hábito – vício, diziam – de usar um vocabulário incomum e era dado a argumentações de cunho científico e filosófico acerca de trivialidades, que podiam ser explicadas com palavras comuns por todos os filhos de Deus. O seu ar apalermado e o seu jeito atrapalhado inspiraram aos colegas e amigos um apelido a ele: Clark Kent, o único sobrevivente de Kripton. “Ele tem um jeitão de alienígena”. Não eram poucas as pessoas que faziam tal observação.
Larissa, a Barbie, assim alcunhada devido às semelhanças físicas entre ela e a boneca mais famosa do mundo, sonho de consumo de onze dentre cada dez moças, era uma graciosa mulher de trinta anos que conservava a beleza de mulher de vinte, conservados todos os adornos de um belo corpo feminino de traços impecáveis. Não era uma burra das anedotas. Muitos homens a requestavam, inclusive Rodolfo, ao seu modo desajeitado. Era dotada de raciocínio ágil, e era muito agitada, quase, dir-se-ia, hiperativa; era dona de um texto ágil e persuasivo, rico de imagens cativantes, límpidas e esclarecedoras. Era desembaraçada. A sua postura sem reservas – e associada à sua beleza incomparável – intimidava muitos homens e deles ela extraía informações que nenhum dos seus colegas de profissão extraíam. Era muito bem-sucedida, e raros foram os seus fracassos nos doze anos durante os quais exerceu a profissão de jornalista.
Naquele momento, os olhares dos três jornalistas convergiam para a tela de televisão que transmitia imagens dos eventos que se desenrolavam nas avenidas X* e A* e arredores.
– De onde ele veio? – perguntou Rodolfo, referindo-se a Massa Bruta.
– Não sei – respondeu-lhe Larissa. – Sabemos apenas que ele quer dominar-nos, escravizar-nos.
– Vamos até lá – disse Carla.
– Chamem Olavo e Paulo – disse Rodolfo.
– Onde eles estão? – perguntou Larissa, olhando, rapidamente, de um lado para o outro da sala, à procura deles; não os encontrando, virou-se para Carla e Rodolfo. – Onde eles estão?
– Eles estavam aqui há alguns minutos – disse Rodolfo.
– Quando eu liguei a televisão, eles estavam aqui – disse Larissa.
– Como eles desapareceram, assim, tão de repente? – perguntou Carla, incrédula.
– Para onde eles foram? – perguntou Rodolfo.
– O sumiço deles, conveniente – comentou Larissa.
*
Pela avenida A* deslocava-se, de bicicleta, o garoto. E dele Massa Bruta aproximava-se, e rapidamente.
Um caminhão rumou, em alta velocidade, na direção de Massa Bruta. Quando distava dez metros dele, o motorista saltou para fora do caminhão, que colidiu contra o monstro disforme. E o garoto de bicicleta pôde distanciar-se de Massa Bruta, que ergueu, com as duas mãos, o caminhão, como se erguesse uma bolha de sabão, e arremessou-o na direção de um prédio.
O estrondo, ensurdecedor.
E Massa Bruta procurou pelo garoto de bicicleta.
– Onde você se escondeu, garoto idiota?
Não o encontrando, circunvagando o olhar pelos arredores, voltou a sua atenção ao homem que dirigia o caminhão.
– Onde está quem dirigia o caminhão? – perguntou em alto brado. – Apareça, covarde!