Pelo fio da espada
E tomando conhecimento da aproximação dos nômades do deserto, que estavam pondo em polvorosa a população das cidades de Canaã, o administrador Danel foi chamado à presença do rei Niqmad.
- Diga-me Danel, o que podemos fazer para conter esses bárbaros que estão saqueando as cidades cananeias mais fortificadas? - Indagou o soberano, sentado em seu trono de alabastro.
- Imaginei que iria fazer essa pergunta aos seus generais, meu rei - replicou o administrador, desconcertado. - Pouco entendo de guerras ou de fortificações.
- Meus generais afirmam que é impossível parar essa coluna de bárbaros, são numerosos e bem armados - lamentou-se Niqmad. - Tampouco podemos confiar que irão embora se nos refugiarmos dentro dos muros das cidades e aguardarmos que se vão. Parecem mais uma nuvem de gafanhotos!
- Ouvi dizer que obedecem ao comando de um deus muito poderoso - comentou cautelosamente Danel.
- Poderoso e implacável - retrucou o rei. - Mandam avisar que, se não nos submetermos, passarão a todos pelo fio da espada; mulheres e crianças, inclusive.
- Seria um fim deveras atroz para o povo da nossa bela cidade - ponderou Danel. - O que disseram os sacerdotes, meu rei?
- Que os nossos deuses decidiram por bem não interferir no presente confronto... algo a ver com hierarquias celestiais ou coisa que o valha. Mas, então: você sempre foi conhecido por suas ideias criativas na administração dos meus armazéns, veja se aparece com alguma que nos tire deste entrevero!
Danel pensou. E pensou. Finalmente, bateu palmas.
- Mas é claro!
- Compartilhe sua ideia, Danel - admoestou-o Niqmad.
- Aquele seu primo, Ibiranu, ainda está na cidade, meu rei?
- Ele e toda a família - retrucou o soberano, fazendo uma careta.
- Então, creio que tenho uma solução para o problema que me foi colocado - redarguiu Danel. - Desde que o senhor não se importe em perder a família de Ibiranu para os nômades, claro...
- Se isso salvar o povo desta cidade, o inútil do Ibiranu e seus parentes que morram - decretou Niqmad.
E assim foi feito.
* * *
Quando os nômades do deserto chegaram à cidade cananeia, desconfiaram por tê-la encontrada com as portas convidativamente abertas - e sem qualquer guarda à vista.
- Decerto que é uma armadilha - avaliou o chefe dos nômades. - As tropas devem estar entrincheiradas dentro da cidade...
- Ou talvez tenham fugido todos - replicou seu lugar-tenente. - Avisamos que, quem ficasse, seria passado pelo fio da espada.
- Pois mande patrulhas armadas averiguar - ordenou o líder. - Nós aguardamos aqui, do lado de fora dos muros.
As patrulhas deram a volta na cidade, e não viram vivalma. Isto é, com exceção do palácio real.
- Estão dando uma festa de arromba no palácio! - Avisaram ao líder. - Parece que é a coroação do novo rei.
- Que bando de imbecis - comentou o lugar-tenente, limpando as unhas com a ponta de sua espada de bronze. - Vamos pegá-los de surpresa!
De saída para comandar suas tropas, o líder ainda parou para indagar a um dos batedores:
- E quem é esse rei imprudente?
- Um tal de Ibiranu, senhor.
- [26-08-2019]