Em perigo
[Continuação de "A Morte Vem do Alto"]
Quando os portões da embaixada valaquiana foram abertos no fim da tarde, os refugiados viram parados ao longo da calçada em frente, dois grandes ônibus franceses Somua, que normalmente eram utilizados no transporte urbano; neste caso, na linha A, que fazia a rota da praça Teatralny.
- Atenção, todos! - Alertou o embaixador, erguendo os braços para pedir silêncio e chamar a atenção. - Conseguimos apenas estes ônibus para a nossa viagem de volta... obviamente, não há espaço para todos irem sentados, portanto, mulheres, crianças e idosos têm precedência na ocupação dos assentos. Também não poderão levar mais do que uma valise ou mala pequena por pessoa, já que a prioridade é transportar pessoas, e não bagagem.
- Para onde iremos? - Indagou Miron Kogalniceaunu, o pai de Stefania, a amiga de Mihaela Proca.
- O mais longe que pudermos em direção à fronteira com a Hungria, mas não pelo caminho mais curto por questões de segurança - replicou o embaixador. - Em algum ponto do caminho, tentaremos o transporte ferroviário, mas só se não houver risco imediato de ataques da Luftwaffe.
Alguns dos funcionários poloneses da embaixada, haviam manifestado interesse em seguir viagem para a Valáquia, entendendo corretamente que ali estariam mais seguros do que em qualquer parte da Polônia, mas o embaixador deixou claro que eles só seriam admitidos nos ônibus caso os refugiados valaquianos estivessem todos acomodados. Um dos poloneses, Feliks Kolenda, pediu ao embaixador que autorizasse ao menos o embarque da esposa e do filho de três anos de idade, que haviam ido abrigar-se ali com ele.
- A Aleksandra é judia - explicou, muito nervoso. - Depois de tudo o que ouvimos sobre o modo como os alemães estão tratando os judeus, tenho receio pelo que lhe poderá acontecer se ficar aqui.
O embaixador permitiu que a esposa e o filho de Kolenda embarcassem, bem como outras duas datilógrafas polonesas, admitidas por razões similares. Finalmente, com cerca de 40 pessoas em cada veículo onde normalmente só 20 viajariam confortavelmente, o comboio valaquiano começou sua jornada rumo leste, em direção à Siedlce. Para muitos que haviam procurado abrigo na embaixada logo após os primeiros ataques dos nazistas, aquela era a primeira vez em que estavam saindo à rua depois de vários dias, e as reações ao ver a destruição infligida à cidade pelos bombardeios, foram de espanto e medo. Famílias inteiras eram vistas pelas ruas cobertas de entulho, empurrando seus poucos pertences em carrinhos de mão, tentando fugir da cidade condenada. Os mais afortunados, como eles, faziam o mesmo em automóveis, caminhões e carroças de tração animal. Outros ainda, utilizavam bicicletas.
- O que será dessas pessoas? - Indagou Mihaela à Aleksandra Kolenda, que estava sentada com o filho no colo ao lado dela. De pé, no corredor do ônibus lotado, já que cedera seu lugar para a jovem mãe, Stefania acompanhava a conversa.
- Vão tentar colocar a maior distância possível entre eles e a Alemanha... o mesmo que nós - respondeu Aleksandra, pensativa. - Para os cristãos, vai ser bastante duro, mas os alemães estão demonstrando que será muitíssimo pior para os judeus poloneses. Se minha família não tivesse se mudado para Siedlce, meses atrás, provavelmente teriam sido mortos logo nos primeiros bombardeios ao bairro judeu...
- Eu sinto muito - comentou Mihaela, sentindo-se estúpida pela pergunta que fizera.
- Você não tem culpa de nada, Mihaela - redarguiu Aleksandra, tentando sorrir. - Meu marido é esperto... provavelmente amanhã vai pegar uma das bicicletas da embaixada e pedalar até Siedlce. Ele sabe onde meus pais estão residindo.
- Mas vocês pretendem ficar lá? - Indagou Stefania, preocupada.
- Não. Nossa intenção é partirmos o quanto antes para a Valáquia... o embaixador nos deu salvo-condutos, que nos permitirão atravessar a Hungria.
O ônibus foi detido numa barreira do exército polonês, na saída da cidade, ao lado de uma bateria de artilharia antiaérea. O sol já havia se posto, mas a longa fila de refugiados a pé continuava seu caminho, pelo acostamento da estrada. Conferidos os documentos, o comboio estava para seguir viagem quando subitamente um soldado da bateria deu o alerta:
- Stukas!
Dentre as nuvens baixas ainda iluminadas pelo ocaso, ouvia-se agora nitidamente um lamento agudo, que crescia a cada instante.
- Todos para fora! - Comandou o embaixador, que havia acabado de subir no primeiro ônibus. - Deitem no acostamento, fora da estrada!
Seguiu-se um momento de confusão, quando os valaquianos atropelaram-se para sair rapidamente dos veículos e jogaram-se desordenadamente nas canaletas de drenagem às margens da estrada. Simultaneamente, a bateria antiaérea abriu fogo contra os atacantes, que embora ainda não pudessem ser vistos, uivavam como se houvessem saído diretamente do inferno.
E, deitada de cara no chão ao lado da estrada, Mihaela Proca tapava os ouvidos com força, rezando a Deus para que nenhuma bomba a atingisse.
[Continua]
- [27-07-2019]