Terra de Liberdade
Ao entrar na pequena livraria de Jourdain Lajoie, a qual se encontrava providencialmente vazia, salvo pelo proprietário, Gervasius Arceneaux cumprimentou o amigo com gravidade.
- Que cara é essa? - Indagou o livreiro preocupado.
- As notícias que lhe trago não são nada boas.
- Ultimamente, nada de bom tenho ouvido - ponderou Lajoie. - Mas não me poupe das más novas, se elas puderem me evitar maiores dissabores...
- Assim espero - replicou Arceneaux. - Recebi ontem em minha adega um mercador de vinhos oriundo de Compiègne... Duverger, fornecedor oficial do rei Henrique II.
- E o que ouviu o mercador no castelo do perseguidor de reformados?
- Que sua majestade prepara um novo edito voltado para os livreiros, mas que será particularmente duro com aqueles que professem a fé reformada, ou seja, nós - explanou Arceneaux, punhos cerrados.
- Como se as cortes instituídas pelo rei para julgamento de heresias já não fossem suficientemente ruins - replicou Lajoie. - O que será que ele está maquinando? Mais mortes de impressores na fogueira, como aquele infeliz do Etienne Dolet?
- Seja lá o que for, se dá valor à sua vida, seria bom começar a pensar numa mudança de ares... permanente. Os tempos para quem difunde conhecimento não estão nada bons.
- O que me sugere? - Inquiriu Lajoie, mão no queixo. - Não tenho conhecidos em Genebra, e não me parece que Calvino vá se interessar em empregar mais um livreiro em suas fileiras.
- Mas talvez Calvino se interesse em mandar um homem culto como você, para a colônia que o almirante Villegaignon está fundando nas novas terras descobertas pelos portugueses - sugeriu Arceneaux.
- Ouvi falar das tais terras... habitadas por selvagens nus, ao que parece.
- Mas onde não há Câmara Ardente para julgamento de hereges - insistiu Arceneaux.
- E o que, exatamente, eu iria fazer nesta colônia? - Indagou o livreiro, braços cruzados.
- Pense, homem! - Replicou Arceneaux empolgado, abrindo os braços. - É uma oportunidade única de recomeçar! Escrever a história novamente, fazer tudo da forma correta... uma terra de liberdade!
- Terra de liberdade... - repetiu Lajoie, aparentemente não muito convencido.
Uma semana depois, o livreiro procurou o comerciante, indagando quando partia o próximo navio para a França Artártica. Pesara em sua decisão o último edito do rei, condenando os seguidores de Calvino à morte.
- Se há canibais lá, eu não sei, - justificou-se Lajoie - mas aqui, certamente, há cristãos tementes a Deus que não hesitariam em me queimar na fogueira se desconfiassem que sou um reformado.
- [08-07-2019]