Voando para o perigo

[Continuação de "Missão de Misericórdia"]

A manhã fria de outono raiava em Bucareste, quando três aeronaves DC-3 da Pan Am aterrizaram sequencialmente, num curto intervalo de tempo, no aeroporto de Otopeni. À espera delas, encontrava-se uma companhia de dragões valaquianos com 60 soldados, mais 12 profissionais de saúde civis, reunidos durante a madrugada sob a liderança do capitão Valentin Proca. O general Petre Tugurlan, comandante do Exército, foi passar em revista as tropas que, em tese, estariam incumbidas da perigosa tarefa de resgatar os cidadãos refugiados na embaixada da Valáquia em Varsóvia, sob ataque da Alemanha Nazista, e trazê-los em segurança de volta à casa. O que Proca não sabia, e que só lhe foi revelado pelo general numa conversa reservada pouco antes da partida, é que a missão, por si só bastante complicada, ganhara novos aspectos que alteravam drasticamente o plano original traçado.

- Estes aviões que aqui pousaram, não são DC-3 da Pan Am... na verdade, são PS-84, a versão soviética licenciada pelos americanos. E a pintura é falsa, apenas para enganar poloneses e alemães, já que os Estados Unidos permanecem neutros neste conflito. O que combinamos com os russos, foi que eles os transportarão até Brest, na Polônia, cerca de 200 km distante de Varsóvia. Quando pousarem, daremos o sinal para que seja evacuada a embaixada, e que nosso pessoal diplomático e seus agregados prossigam por terra até Brest, onde serão repatriados pelos soviéticos. Caso não haja espaço para todos na volta, faremos viagens adicionais. Perguntas?

- Com a devida vênia, general... imagino que voar até Varsóvia nas atuais condições seja perigoso, mas por que exatamente foi escolhida Brest como ponto de encontro? E imagina que nossos civis conseguirão cobrir estes 200 km sozinhos?

- Entendo a sua preocupação, capitão, - replicou o general - mas Brest está suficientemente distante de Varsóvia para que possamos utilizá-la como base de resgate, e o exército polonês poderá dar cobertura na evacuação, já que ainda controlam a região. Se mandássemos a sua companhia direto para Varsóvia, que está sob bombardeio da Luftwaffe, é possível que não pudéssemos resgatá-los por via aérea depois. Brest, ao menos por ora, é uma opção muito mais segura, segundo informaram os russos.

O que nem Proca nem Tugurlan sabiam, é que a verdadeira razão de Brest ter sido indicada, é que a cidade ficaria dentro da esfera de influência soviética e portanto, livre de ataques da Luftwaffe, por conta do tratado secreto assinado entre URSS e Alemanha Nazista, que dividia a Polônia entre ambas as potências.

- Compreendo a questão estratégica, general - avaliou Proca. - Mas ao mesmo tempo, sinto-me decepcionado por não poder seguir até Varsóvia e acompanhar nossos concidadãos no seu trajeto de volta.

O capitão preocupava-se especificamente com uma pessoa na capital polonesa: a irmã caçula, embora ela já estivesse abrigada dentro dos muros da embaixada.

- O senhor não deverá fazer isso, capitão - admoestou-o Tugurlan, expressão severa. - Poderia pôr em risco todo o nosso planejamento. Colocar tropas valaquianas em Brest, mesmo que seja apenas uma companhia, representa uma jogada diplomática que estamos encenando para poloneses e alemães; aos primeiros, dizemos que estamos cumprindo o nosso acordo de assistência em caso de invasão, e que vocês estarão prontos para entrar em ação... caso a ação se aproxime de vocês. Para os segundos, sinalizamos que, se os alemães chegarem até Brest, a Polônia não mais existirá, não havendo portanto mais motivo pelo qual lutar.

E percebendo que seu subordinado ainda parecia dividido, o general consultou o relógio de pulso e alertou:

- Capitão, quanto mais tempo passarmos aqui, discutindo, maior é o risco dos nossos concidadãos não conseguirem chegar até Brest em segurança.

Proca aprumou o corpo e prestou continência.

- Estou pronto para cumprir minha missão, senhor!

- Era tudo o que eu queria ouvir de você, capitão - redarguiu o general, retribuindo a saudação.

Vinte minutos depois, os PS-84 disfarçados começaram a levantar voo rumo à Polônia em guerra. O delicado xadrez valaquiano estava agora em execução.

[Continua em "A Águia Pousou"]

- [03-07-2019]