O bibliotecário iletrado

Naquela manhã, estava Liu Zhihao pondo em ordem a biblioteca de seu patrão, o acadêmico Xiang Jianhong, quando entrou no recinto a irmã caçula deste, a bela Xiang Lim, recém-chegada de Zhaoqing, na província de Guangdong. O assistente de bibliotecário curvou-se perante a dama.

- Bom dia, minha senhora.

- Bom dia, Liu Zhihao. Soube que meu irmão mandou-o estudar os costumes dos bárbaros do Oceano Ocidental... estou curiosa para saber mais sobre o que viu por lá.

- Bem, minha senhora... há muito o que dizer - replicou o assistente, juntando as mãos. - Viajei num navio mercante dos folangji até um país distante chamado Yingjili... eles vêm comprar nossa porcelana e chá. Parece absurdo, mas mesmo a porcelana chinesa mais reles, é tida em alta conta por eles. E o chá que bebem, é adulterado... são criaturas de péssimo gosto, ouso dizer.

- Que exótico! E aquelas pinturas estranhas, que fazem sobre tecido?

- Os folangji carecem de verdadeiro senso artístico, portanto parecem obcecados em retratar o mundo que os cerca do modo mais realístico possível. Até mesmo com efeitos de sombra, como se luz e sombra não variassem a cada instante!

- Como são tolos! - Exclamou a dama.

- É até difícil de conceber isso, mas a tolice dos folangji chega ao ponto de pintarem reproduções dos rostos de pessoas vivas... e darem estas contrafações como presentes de alto valor. Aqueles que os recebem, os colocam à mostra, nas paredes de suas casas, para que seus visitantes os vejam!

- Que absurda falta de modéstia! - Espantou-se Xiang Lim.

- Eu tive que aprender a escrita rudimentar usada por eles, para poder escrever pedidos de visita às suas instituições... é uma regra da etiqueta folangji. Imagine, minha senhora, que é uma escrita baseada nos sons que emitem em seu idioma... portanto, o que escrevem é ilegível para os nativos de outros países bárbaros.

- Surpreendente! - Admirou-se a dama.

- E aí, aconteceu o mais engraçado, minha senhora: como aprendi a ler e escrever no idioma de Yingjili, os folangji imaginaram que eu também sabia ler e escrever em caracteres chineses!

Xiang Lim arregalou os olhos.

- Os folangji pensaram que você era um acadêmico, Liu Zhihao?

- Veja o tamanho da estupidez dos bárbaros - riu o assistente. - Felizmente, já estava com a passagem de volta comprada antes que me pedissem para ler alguma coisa...

- Absurdo, absurdo... - murmurou a dama. - Importa-se de que eu retorne depois, para me contar mais sobre os estranhos hábitos dos folangji?

- De forma alguma, minha senhora. Será um grande prazer para mim - replicou o assistente, curvando-se.

Liu Zhihao acompanhou com o olhar a saída de Xiang Lim para o jardim ensolarado lá fora. Depois, abanou a cabeça, tentando remover aquela visão de beleza de seus pensamentos, para poder finalmente concentrar-se em seu trabalho.

- [29-06-2019]