Mar Noturno - Parte V - Espíritos, Diários e Uma Verdade Aterradora
Mais um dia começou e vi que a tripulação estava mais inquieta do que de costume.
O dia estava nublado e ventoso. A frente encontramos um bando de gaivotas voando pelos céus indicando que estamos próximos de terra firme.
Um bom sinal, diga-se de passagem, porque já estávamos cansados de ver água, água e mais água.
William nos convocou para uma rápida reunião no convés a fim de traçar a estratégia baseada nos relatos de Caleb.
Estávamos a quatro dias de chegar ás ilhas e a tripulação estava inquieta demais.
Enquanto isso, tínhamos visto uma espécie de unicórnio do mar e seguíamos fazendo a ronda no convés.
Mal a noite caiu, o frio aumentava repentinamente forçando-nos a usar nossos casacos para não ficarmos congelados.
Depois de rendermos o último tripulante, Vareen usou seus poderes de observação para abarcar toda a região sentindo dois polos de energia a noroeste.
O que significava terra firme a frente.
Pra ser mais exato, Vareen encontrou duas ilhas.
Não detectei nenhuma ameaça iminente, mas Nikolai ouviu um sussurro e uma risada de criança.
E quase caiu para trás.
Porque a criança estava exatamente a sua frente.
Era outro espírito.
* * *
A criança só faltou botar a língua pra Nikolai e fugiu assim que o baroviano atirou uma pedra nela.
William e eu fomos atrás dele enquanto Caleb e Vareen ficaram de guarda no convés.
A perseguição não demorou muito e encontramos Nikolai parado diante de um barril pesado e cheio de arenque.
O baroviano nos disse que o espírito da criança passou por essa parede e William desconfiou de que havia algo de estranho em colocar um barril ali, mas era hora de voltar a nossos postos e preparar um plano melhor.
Para descobrir o que aconteceu com esses espíritos.
E para exigir explicações do capitão Garvin a respeito de tudo isso.
* * *
Bem, como já falei inúmeras vezes nesse diário, se existe alguém bom de estratégia, este é Vareen.
O plano do clérigo era bem simples. Ele falaria com Garvin sobre essa situação sobrenatural no barco enquanto Caleb e Nikolai tentariam remover o barril da parede.
Já William e eu ficaríamos de guarda no convés e caso algum tripulante enxerido aparecesse, faríamos de tudo para impedir que isso ocorresse.
O clérigo foi até a porta do aposento do capitão Garvin e para seu espanto, a porta estava entreaberta.
O aposento estava bem organizado e aquecido graças as ventilações, deixando Vareen impressionado com o que viu.
Logo encontrou o capitão Garvin ainda meio sonolento e irritado com a visita inesperada.
Vareen o acalmou contando toda a situação e ele aceitou relutantemente seu pedido de vasculhar a parte de baixo do barco.
O clérigo ficou ainda mais surpreso assim que averiguou o restante do aposento.
Tinha encontrado Janice em trajes mínimos.
Ela estava traindo Basil com o capitão Garvin.
Vareen entendeu o porquê da irritação de Garvin.
Tinha estragado sua grande “cavalgada”.
* * *
Depois do mal-entendido, Vareen voltou a seu posto com a cara mais vermelha que um pimentão. William e eu perguntamos o que aconteceu lá e o clérigo apenas confirmou que Garvin concordou com nosso pedido notando nele uma estranha reação.
A noite estava calma.
Mas nós estávamos muito agitados.
E rezando para que nada saísse errado com Caleb e Nikolai.
* * *
Os dois barovianos observaram o barril e tentaram removê-lo ao mesmo tempo, no entanto o barril rachou com o movimento brusco e uma parte do caldo de arenque caiu, fazendo com que Caleb escorregasse e caísse de cara no chão ficando todo impregnado com o cheiro de peixe fresco.
Nós ouvimos o impacto do barril e William praguejou antes de ir para a parte inferior do barco.
Ali vi outra cena bizarra.
O barril estava rachado de fora a fora com arenque espalhado por todos os lados e Caleb e Nikolai fedendo a peixe.
Basil lamentou o ocorrido falando que terá que fazer um almoço diferente no dia seguinte.
Nem todos estavam tristes, entretanto. Três dos tripulantes foram mais espertos e pegaram alguns arenques pra fazer uma pequena festinha regada a uma boa cerveja.
Nikolai aproveitou a confusão pra ver o que havia atrás daquele barril e ficamos estupefatos quando vimos que era uma porta.
O baroviano chutou-a com a delicadeza de um elefante e o que viu foi de impressionar.
Era um quarto de aspecto impecável.
Tinha chegado o momento de tirar alguns esqueletos do armário.
E trazer a tona tudo o que ocorreu.
* * *
Havia no quarto três camas e também baús, roupas e livros que chamaram nossa atenção.
Caleb acendeu as velas e teve uma surpresa e tanto ao encontrar também roupas masculinas em um dos baús o que nos levou a crer que eram um casal ou até mesmo uma família inteira onde foi comprovado em um dos livros, que na verdade era um diário.
O homem chamava-se Jacob Skundatter, a mulher se chamava Madeleine Stein e a menina chamava-se Charlotte Tarvikssen.
Nesse momento, me lembrei da minha Charlotte que certamente deve estar preocupada (e zangada) comigo.
O diário revela que Charlotte estava com saudades de sua família relatando ainda que sua tia Madeleine estava muito doente assim como ela e seu tio Jacob e que esperava ser curada dessa doença por um médico da ilha de Graben.
Cura essa que infelizmente não aconteceu.
Vasculhamos um pouco mais o quarto e não encontramos nada de especial a não ser uma faca de curtidor e um ursinho de pelúcia.
Depois de investigar todo o quarto, Nikolai entregou-me os diários e saímos ainda encontrando arenques pelo chão.
Fechamos o turno de vigia com Nikolai e Caleb indo tomar um banho pra tirar o cheiro de peixe impregnado em seus corpos.
Assim que os barovianos voltaram, William nos reuniu ao convés a fim de discutir nossas descobertas.
Uma coisa era certa.
Houve um incidente no barco.
E o capitão Garvin estava envolvido nele até a medula.
* * *
Dessa vez, foi Nikolai que apresentou o plano de obrigar Garvin a dizer sobre o que aconteceu com aquela família em seu barco.
Simplesmente, ele pretendia usar seu olho vermelho nele pra fazê-lo falar.
Achei o plano do baroviano arriscadíssimo temendo que repetisse o incidente com os espiões da KGT.
Mas se não estivesse com sangue, as chances de êxito seriam enormes.
E foi o que aconteceu.
Após ser submetido aos poderes de Nikolai, Garvin finalmente revelou o segredo.
Que era terrível demais.
* * *
Ele nos contou que a família havia morrido doente durante a viagem e que havia feito um acordo com os Graben cujo objetivo era levar cadáveres para as ilhas de Graben que seriam repassados para Meredoth, o lorde negro do Mar Noturno, fazer suas macabras experiências.
Contudo, os cadáveres deles não foram aprovados pelos Graben e ele os desovou no Mar Noturno, como sempre fazia.
Ao ouvir tudo aquilo, Caleb revoltou-se e queria esmurrar o capitão ali mesmo. William, Vareen e eu conseguimos acalmá-lo a muito custo e o paladino saiu do convés com uma raiva que eu nunca tinha visto.
Nikolai foi conversar com Caleb e Vareen pediu a Janice que confirmasse suas suspeitas usando suas habilidades.
Depois dessa verdade aterradora, dormimos um pouco e Nikolai não teve problemas pra dormir dessa vez.
No dia seguinte, Janice usou suas habilidades para confirmar o que Vareen já suspeitava.
Encontramos dezenas de cadáveres no fundo do oceano e entre eles estavam os três membros daquela família.
Vareen foi até o capitão Garvin e disse estar decepcionado com as atitudes dele.
Mas não temos mais tempo para lamentos.
Tínhamos finalmente avistado nosso destino.
A ilha de Graben.
Com um mistério a resolver.
E provavelmente um Lorde Negro a enfrentar.