Um breve relato de Uga, a feia
Estava nua.
Nos cabelos, pretos e desregrados, se embrenhavam alguns gravetos. O corpo peludo. Tantos pelos que não dava para ver os seios, nem o sexo. Não se podia diferenciá-la de um homem. Os braços eram grandes e fortes, e o andar curvado como o de um primata. Sentava-se na frente de uma caverna, ao lado de um homem.
Buga, disse.
Buga, retrucou o homem.
Não estavam bem. Na noite anterior o homem pegara um toco e dera-lhe uma pancada na cabeça. Quando a viu desmaiada pegou-a pelo cabelo e arrastou até a caverna. Por sorte a mulher acordou para objetar.
Buga, disse o homem, se desculpando.
Desde sempre se comunicavam daquele jeito. Em sua memória a mulher lembrava da vez em que vira um tigre dentado atacar a aldeia. O seu primeiro cônjuge, que era um primata sem expressão, fora até o chefe da tribo fazer o alerta.
Buga, disse, sem alterar a voz.
Naquela noite, muita gente morreu.
Coçou os pelos do rosto, que desciam dos olhos até o queixo, enquanto ouvia o homem contar como fora o dia.
Buga, disse-lhe ele.
A mulher pensou sobre aquilo. Não era verdade que não pudessem se expressar de outra forma. A cabeça doía, como num parto. A língua embolava, os olhos piscavam.
Uga! Gritou.
Uga!
O marido, admirado, quis saber o que era aquilo.
Buga?
Não era buga, não. A mulher apontou para uma árvore: uga.
Depois, apontou para as folhas no chão: buga. Mas o homem, teimoso, não quis saber. Levantou-se e deu um soco na mulher. Buga! Disse-lhe, para que entendesse de uma vez. A mulher, então, dotada da capacidade de diferenciar as coisas, subiu o chão pedregoso da caverna de onde voltou com um galho pontiagudo, encostou a ponta dos dedos no ombro do homem para lhe chamar a atenção e, quando o brutamontes se virou para ver quem o cutucava enfiou-lhe o galho lentamente na barriga e o empurrou até que chegasse ao nariz.
Tunga! Gritou.
Logo abaixo alguns membros da aldeia, extasiados, replicaram o grito de guerra.
Tunga, gritaram, enquanto matavam uns aos outros.
Era o início da rebelião.