OS SESSENTÕES NA CAATINGA
A madrugada estava friazinha quando saímos do Hotel de Campina Grande em direção à Fazenda Pai Mateus, situada no município de Cabaceiras, em uma região chamada de Cariri Paraibano. O nome Cariri tem origem indígena e significa pacífico, taciturno. O hotel tem esse nome em homenagem à um eremita negro do século XVIII que vivia em uma formação rochosa esculpida pelo vento que tem o formato de uma cabana. Formávamos um grupo de quatro pessoas com mais de sessenta anos de idade cada um, que em uma noite de jogos impusemos por puro prazer de inventar o que fazer, o desafio de percorrer a trilha que, segundo contavam na região, fizera um jovem fugindo da vingança de cangaceiros por ter matado um violento e cruel integrante de bando. O rapaz fugira da cidade de Boa Vista, onde morava com os pais para o Lajedo de Pai Mateus, percorrendo uma distância de aproximadamente 27 km.
A região possui várias pedras com formas variadas devida à ação dos ventos. É um passeio imperdível para os amantes da natureza. A viagem em si tem alguns atrativos interessantes. Após contornarmos a cidade de Campina Grande seguimos pela BR 230 em direção ao interior da Paraíba. A partir do local chamado de Praça do Meio do Mundo continuamos nossa viagem pela Rodovia 412 em direção à cidade de Boa Vista. No caminho íamos percebendo as características próprias da região. A paisagem era de uma aridez que impressionava os nossos olhos de cidadãos urbanos. Estávamos em um local que tem a densidade pluviométrica mais baixa do estado. Esporadicamente víamos algum caçador andando por entre trilhas no mato. Trafegavam com desenvoltura por entre os arbustos de pequeno porte. Alguém lembrou o que dissera Euclides da Cunha: “ O sertanejo é antes de tudo um forte”. Realmente nenhuma outra frase poderia melhor descrever aquele povo aguerrido que lutava pela vida naquela terra de seca, sempre com olhar altivo e de quem nunca desiste da lida diária.
A partir de Boa Vista, seguimos à pé pela percurso que tínhamos combinado. Fomos pela PB 160 até um entroncamento em que se encontrava uma pequena industria de beneficiamento de minerais. Daí iniciamos nossa jornada por trilhas no meio da vegetação. No caminho, para todo o canto que olhávamos víamos cactos, que é a palma forrageira mais abundante da região e bromélias, que eram muitas e de variados tipos. Uma flor belíssima que nos encantava sempre era a coroa de frade, um cacto que, por lembrar a calva de um frade, recebe esse nome.
Ao meio dia, para descansar e nos abrigarmos do sol forte, sentamos ao pé de uma árvore frondosa chamada catingueira, que além de bonita, é muito útil para dar sombra aos caminhantes da região, quando de repente, interrompendo a sonolência daquela hora percebemos, vindo na nossa direção, a figura de um palhaço. Aquilo era meio estranho. Talvez esse fosse o último personagem que poderíamos imaginar encontrar no meio do nada, sob aquele sol forte da caatinga. Mas era verdade. O homem se aproximou de nós quatro e disse estar indo à festa do bode rei, na cidade de Cabaceiras. Lá, com tanta gente, poderia ganhar um dinheirinho na praça fazendo graça ao povo . Tava cansado e disse que iria parar um pouco para descansar. Sentou-se e tirou uma garrafa de cana e um saco de cajá para o tira gosto, conforme disse. Começamos a conversar e logo estávamos tão a vontade que revesávamos o copo de pinga, que é como ele chamava a cachaça, entre todos. A conversa foi se animando e lá pelas três horas todos nós caímos no sono.
Dormimos aproximadamente umas 2 horas. Tempo suficiente para o dito palhaço nos levar todas as mochilas. Perdemos tudo. O mais grave é que ficamos sem dinheiro e celular naquela terra de ninguém.
Não havia outra alternativa a não ser enfrentar a caatinga a ermo, torcendo para encontrar alguma viva alma que nos ajudasse. As nossas articulações, não mais as jovens articulações dos tempos juvenis, davam sinais irritantes de fadiga. Começaram a surgir calos nos pés. A sede só foi um pouco aplacada quando encontramos um pé de seriguela em uma localidade onde havia alguns bodes caminhando em fila. Tivemos a ideia de seguir os bodes. Certamente iriam para algum lugar com gente que pudesse nos ajudar. Foi a nossa salvação. Estamos vivos para contar a história.
Cabedelo, 08 de junho de 2019