1107 - KOROWAI - 7a. parte

KOROWAI

7ª. Parte

Desmontar o acampamento e colocar todos os apetrechos nas costas de todos, tanto homens quanto mulheres, foi coisa de pouco tempo. Os componentes da expedição estavam momentaneamente reduzidos de seis membros, portanto eram oito pessoas, sobre cujos ombros a carga teve de ser distribuída igualmente, para que todos mantivessem o mesmo passo e o retorno a Papua Fairpoint fosse o mais rápido possível.

Dijibuto foi à frente, e com ele, ia doutor Nelson, que desejava saber o que o guia havia visto antes da doutora Susana ficar doente.

— Houve uma reunião de todos os homens ao redor da fogueira central em frente à cabana elevada do chefe Rangun-Kalan, aquele que esteve no nosso acampamento e que nos levou para a área de sua tribo. Foi uma espécie de “festa” em homenagem ao chefe da expedição que queria chegar até onde os Korowai habitavam. Muita discussão. Chegaram a um acordo que sim, a expedição seria aceita no meio deles. Começaram beber e comer coisas que já se encontravam. Pedaços de carne, ainda com ossos, bananas assadas e pouca coisa mais. Eles não têm muita comida, por isso não havia muita coisa.

— As carnes... eram de bichos, de animais da jângal? — Perguntou Nelson.

— Vi as cabeças de dois javalis. Os homens gostaram muito, abrindo a cabeça e comendo o miolo. Elas ficaram em puro osso. Toda a carne foi consumida até os ossos ficarem limpos. Acho que toda a carne era desses bichos do mato.

— Você estava entre eles, os Korowais?

— Não, eles sabiam que eu era apenas um guia, e não estava na roda. Apenas fiquei olhando, como as mulheres e as crianças.

— E a doutora Susana?

— Ela comeu um pouco da carne assada e das bananas também assadas, sobre folhas de bananeiras. E depois que acabou a carne e o resto da alimentação, começaram beber. E a ficar alegres.

— Você bebeu? E a doutora, também bebeu?

— Ao meu lado tinha uma velha que tirou não se de onde, uma cabaça e fez sinal para que eu bebesse. Disse que não. Então, ela bebeu uns goles e depois me ofereceu de dono. Queria dizer que não era veneno nem nada perigoso. Tomei um trago. Acho que nunca bebi coisa tão ruim. Forte. Desceu garganta abaixo que nem fogo. Vi que a doutora também experimentou, mas fez uma careta muito feia.

— E quando acabou a “festa”?

— Levantaram-se aos poucos, cada qual levando sua família em direção ás suas cabanas nas árvores. A doutora levantou-se e pareceu que estava tonta. Segurou no ombro de Ragum e nos braços de suas mulheres. Quis me aproximar para ajudar a doutora, mas o chefe não deixou. Ao chegarem ao pé da escada que subia para a choça de Ragum, acho que a doutora já não sabia o que estava fazendo, pois Ragun, que subia na frente, foi puxando ela pelos braços. Ele e as duas mulheres suas companheiras a levaram para a palhoça armada no topo de troncos de árvores. Fiz uma tentativa de subir, mas os outros homens me impediram. Fiquei brabo, ameacei e amaldiçoei, mas nada valeu.

— Nos dias em que ficou lá, viu a doutora Susana? Tentou novamente subir a escada da casa do chefe?

— Fiquei ao pé da escada o tempo todo. E dois homens com lanças curtas ficaram ao meu lado, me vigiando. O chefe e as mulheres desceram diversas vezes, perguntei por que a doutora não descia, se ela estava bem, mas não recebi resposta. Parece que eu nem existia, falando com o vento. E os dois homens (foram substituídos várias vezes) sempre me impedindo a subida. Fui ficando cansado e procurei um lugar para me sentar. Achei um lugar debaixo de uma arvore de fronde baixa, com bastante sombra, e deitei. Já era a tarde do segundo dia. Dormi. Não sei quanto tempo, mas já era de noite quando acordei. Fiquei deitado pensado o que fazer. Fingi que estava dormindo e olhei para a escada. Lá estavam os dois guardas. De costas para mim, nem se importando se eu estava dormindo ou acordado. Uma pequena fogueira estava acessa e eles também pareciam casados.

Dijibuto não parava um instante de usar seu afiado facão para cortar as pontas dos arbustos e de galhos que poderiam dificultar a marcha da caravana. Embora tivessem passado por ali há apenas alguns dias, a pujança da jângal já se apresentava com novos brotos e mato nascendo com força.

—Então pensei que nada ia conseguir ficando ali. Tinha de fugir e voltar ao acampamento. Foi o que fiz. Sai com muito cuidado e evitei seguir pela trilha, pois quando descobrissem a minha saída, eles iam correr direto para a trilha, pensando que eu iria fugir por ela. Por isso cheguei ao acampamento todo machucado pelas ramagens, pelos espinhos e pelos tombos que leve, na pressa de chegar e sem ver direito, pois estava uma noite muito escura. fuga até aqui.

O doutor Nelson ficou pensando se a doutora Susana tria sido envenenada, ou intoxicada pelas comidas, pela carne talvez não tão fresca, ou pela beberragem da qual tomara apenas um gole. Um gole suficiente - quem sabe? - para matar uma pessoa não acostumada.

A conversa durou toda a viagem de retorno, horas de árduo caminhar com pesos nas costas, e os espíritos abatidos por tantos infortúnios.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 12.01.2019.

Conto # 1107 da SERIE INFINITAS HISTÓRIAS

Capitulo # 7 da Série “Korowai”

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 07/06/2019
Código do texto: T6667164
Classificação de conteúdo: seguro