O Último Verão

O bispo Thormar enviou-me até a fazenda de Thorstein Olafsson, nos Westfjords, para fazer o apontamento. Em lá chegando, sob um céu azul e o sol de verão, avistei logo a esposa do mesmo, Sigrid Bjornsdottir, e dois de seus filhos, cuidando das ovelhas. A filha caçula, Arnkatla, que motivara a minha viagem, estava nos braços da mãe. Apeei do cavalo e os saudei.

- A Paz de Cristo esteja convosco!

- Amém! - Responderam a mãe e as duas crianças mais velhas.

- Eu sou o presbítero Bruni, de Bolungarvík - identifiquei-me. - Vim a mando do bispo Thormar.

- Nós o aguardávamos - acedeu Sigrid Bjornsdottir. - Meu marido está recolhendo o gado, mas logo estará aqui.

- Não será necessário, tenho apenas poucas perguntas a lhe fazer. Podemos começar?

- Claro.

Sentei-me num bloco de pedra, em meio às ovelhas que baliam. Sigrid Bjornsdottir assentou-se em outro, as crianças à sua esquerda e direita aninhadas contra seu corpo, o bebê nos braços. Puxei um pedaço de prancha de pinho do alforje e um estilete, e perguntei:

- Como vocês foram parar na Groenlândia?

- Nós não estávamos indo para lá... - explicou ela, embalando Arnkatla. - Vínhamos da Noruega para cá, quando uma tempestade nos tirou do curso. Thorstein achou que já que estávamos ali, e havia uma colônia viking, deveríamos ficar. E foi o que fizemos.

Fiz um resumo da declaração em runas, no pedaço de madeira.

- E as crianças... nasceram lá?

- Otrygg, o mais velho, e a Gudbjorg. Arnkatla nasceu aqui, na Islândia.

Anotei os nomes.

- Agora, uma questão importante... quando e onde você e Thorstein se casaram?

Sigrid ajeitou a trança loura, antes de responder com segurança:

- Na igreja de Hvalsey, Groenlândia, em 16 de setembro de 1408.

- Antes das crianças mais velhas nascerem, suponho.

Sigrid encarou-me com ar ofendido.

- Claro que sim!

Terminei minhas anotações e guardei o pedaço de tábua e o estilo no alforje.

- Bom, creio que isso conclui a história. Mas agora, só por curiosidade pessoal: porque resolveram abandonar a Groenlândia?

Sigrid deu de ombros.

- Estava ficando difícil viver lá... nós somos fazendeiros, e o clima na Groenlândia está ficando pior a cada ano. Mesmo para criação de gado. Houve um verão em que choveu quase o tempo todo, e foi então que decidimos retomar nosso caminho para cá. Foi a melhor coisa que poderíamos ter feito.

- Então... a Groenlândia deixou de ser um bom lugar para se plantar? - Ponderei.

Sigrid acomodou Arnkatla nos braços antes de responder.

- Duvido que ali tenha sido um bom lugar para plantações algum dia. E nem era com isso que as pessoas que foram para lá estavam realmente preocupadas... marfim de morsas, esse era o verdadeiro interesse daqueles que povoaram a Groenlândia. Mas você não pode comer marfim, não é? Alguém tem que plantar comida... ou comprar em algum lugar.

- E o que acha que vai acontecer com aqueles que ficaram? - Indaguei.

Sigrid parou para pensar um momento.

- Se não estiverem dominados pelo espírito da ganância, sairão de lá antes que o clima piore ainda mais...

- Que a Virgem os ilumine - repliquei, fazendo o sinal da cruz. - Bem, creio que isso encerra a minha investigação. Eu vou escrever ao bispo, assegurando que você e seu marido tem o direito de batizar sua filha Arnkatla.

- Fico-lhe muito grata, presbítero - agradeceu Sigrid, sorridente, curvando a cabeça.

E, banhada, pelo sol de verão, com a bebê nos braços, ela me pareceu então uma espécie de madona viking, que acabara de tocar a terra.

- [27-05-2019]