A contadora de história
Eu torcia e ficava feliz em constatar que ainda tinha muita lucidez naquela mente privilegiada, mais uma vez ao vê-la sentada no corredor de sua casa, me aproximei para tentar ouvir mais uma de suas histórias, verdadeiros relatos de vida, seu viver tão carregado de emoções, sim naquela época ela tinha talvez apenas uns 95 anos, um pouco pra mais ou um pouco pra menos, até a data calculo entre 2005 ou 2006, mas o importante foi que consegui mais uma interessante história.
Aproximei de minha mãe, sentei ao seu lado e disse:
--- Então D.ª Maria Vitória, está disposta a me contar mais uma de suas histórias?
--- É lógico que estou, sempre estou à sua disposição, se você não veio antes é porque não quis! (pensei comigo, ela continua com sua franqueza e a resposta na ponta da língua) E logo mesmo ela tomou a dianteira da conversa, me sugeriu:
--- Sabe, Lourenço, você havia começado a escrever a minha biografia, as partes que estão prontas, gostei muito, ( Ah! Respirei aliviado) só que começou quando eu tinha mais ou menos 7 anos, aí eu me lembrei de umas passagens de quando eu tinha 3 anos e me lembro nitidamente, para mim é muito importante!
Em poucos minutos lembrei do que tinha escrito sobre minha mãe, palavras escutadas pela sua própria boca e do que eu sabia sobre ela, mulher decidida, sua prioridade era dar suas aulas de catecismo, e suas ajudas nas obras de assistências sociais comandada pela igreja, católica até os últimos fios de cabelo, se alguém quisesse uma polêmica acirrada com ela era só criticar a igreja católica, xingar os padres, mas nem por isso ela era mansa e humilde quando alguns padres enérgicos debatiam com ela, a sua razão defendia com unhas e dentes, sempre fez questão de frisar a sua admiração pelos padres, que muitos deles a ajudou a entender o suficiente para suas aulas de catecismo, mas não era por eles que permanecia firme em suas convicções sobre a religião, permanecia firme unicamente porque fazia tudo pelo seu mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ali na minha frente eu via a minha mãe, mulher forte, generosa, carismática e acima de tudo praticava a caridade com convicção de que devemos ajudar todos que precisam independente de quem for, lembrava de seus relatos para a sua biografia, ao contar de seu casamento forçado com meu pai, ela ainda não tinha completado os 16 anos e meu pai com 18, entretanto soube completar a sua jornada junto com meu pai, que jornada!... E ainda mais 16 filhos!!!... Mas aí já é outra história, interrompi minhas lembranças e ávido para saber de mais uma história que minha mãe queria me contar apenas disse:
--- Então conta, mãe.
--- Lembro que eu vivia na cidade de Itamonte, nesta época chamava São José do Picu, tinha um padrinho, gostava muito dele, sempre me dava as coisas, sabe como é na cabecinha das crianças existe muitos inocentes interesses, ainda mais uma criança de apenas 3 anos, meu padrinho me deu uma moeda, fiquei brincando com ela bastante tempo, coloquei na boca e continuei intertida com outras coisas. Minha mãe e minha avó iam fazer compras no centro da cidade e me levaram, no caminho minha vó que era bem mais atenta do que minha mãe, disse:
--- Esta menina está diferente, alguma coisa está acontecendo com ela, eu tentava mostrar à elas que não estava conseguindo engolir direito, mostrava minha garganta, que doía sem parar, elas foram ficando preocupadas comigo, tinham uma leve noção que a coisa ia ficando séria, meu aspecto não estava bom, chorava, neste tempo médico e hospitais era difíceis, só em cidades maiores, também isto já faz uns noventa e poucos anos!
Havia ali na cidade um padre italiano, que além de suas funções religiosas era também médico, aliás não tinha formado em medicina, mas interessava e curava as pessoas, ele era tão interessante porque criava muitos bichos na sua propriedade, até cobras, (só que eu na função de ouvinte desta história de minha mãe, não me lembro do nome do interessante padre, também bancar o entrevistador sem um gravador!...) minha mãe e minha avó me levou neste padre curador, para ver o que estava acontecendo comigo, (continua minha mãe me contando com todos os seus detalhes) chegando no consultório, quer dizer na casa do padre que também fazia de médico, ele atentamente como um eficiente profissional de medicina, me mandou abrir a boca, decidido e com toda calma, como quem sabia muito bem o que estava fazendo, pegou uma pinça, e tirou de minha garganta a moeda que havia ganho de meu padrinho.
O padre era bastante direto no que fazia, no que dizia, porque passou uma repreensão séria na minha mãe e na minha avó, dizendo:
--- A menina podia ter morrido, vê se vocês duas tomem conta melhor dela daqui por diante! Apesar da vergonha e bastante aliviadas as duas agradeceram muito o providencial atendimento grátis, porque ele nunca cobrava por seus trabalhos.
Aí, minha mãe termina mais uma de suas histórias, incisivamente me diz:
--- Como isto aconteceu no comecinho da minha infância, pode começar a biografia com este relato que acabo de te contar, venha outro dia que tenho muita coisa pra você escrever, enquanto isto vou lembrando de mais algumas, mas venha mesmo!
Eu sem o que mais dizer apenas disse:
Está bom D.ª Vitória, qualquer dia nós continuaremos.
(Algumas outras de suas histórias tive o privilégio de escutar no período em que vivia neste mundo, agora só restam a lembrança de sua carismática pessoa em 2010 ela fez a viagem sem volta)