A política por outros meios
[Continuação de "Hic sunt lupi"]
Após conversar com os representantes dos principais blocos que poderiam defender ou colocar em risco a delicada situação da Valáquia, o hospodar Radu Bucsa Nicolescu convocou seus principais assessores para uma reunião de emergência no Palácio Golescu: os três comandantes do estado-maior (marinha, exército e força aérea), o ministro-chefe da diplomacia valaquiana, Dumitru Constantin, o primeiro-ministro Ionache Dragomir, e o chefe da Igreja Ortodoxa da Valáquia, o patriarca Miron Cristea. O príncipe fez uma rápida exposição sobre os desafios que teriam que enfrentar, antes de franquear a palavra aos demais.
- De fato, fomos pegos de surpresa com a investida alemã sobre a Polônia - admitiu, à cabeceira da mesa no salão onde estavam reunidos. - Retirar o nosso pessoal de Varsóvia é a maior prioridade neste momento. Inicialmente, estudou-se mandar uma pequena força expedicionária, por terra, nominalmente para apoiar os poloneses contra os nazistas, mas na verdade, apenas para resgatar o nosso pessoal. O rápido avanço alemão, todavia, pôs em cheque esta iniciativa, e ontem à noite, fui informado pelo comissário soviético, Zakhar Ilyich, de que Hitler pretende capturar todo o corpo diplomático valaquiano em Varsóvia, provavelmente acreditando que eles possam revelar algo sobre nossas... defesas secretas; como sabem, jamais deixamos que pessoas com tal conhecimento saíssem de nossas fronteiras. Hitler contudo, pode sentir-se tentado a usá-los como moeda de troca, ou mesmo executá-los, caso os julgue inúteis para seus propósitos. Ministro Constantin, como estão os planos de evacuação da embaixada em Varsóvia?
Dumitru Constantin, um homenzinho de calva acentuada e bigode fino, enxugou a testa com um lenço de linho, embora a noite estivesse fria.
- Alteza, a ordem de retirada foi dada... - informou. - A documentação sigilosa deve estar sendo destruída neste exato momento, e comuniquei ao embaixador que todos os funcionários, familiares e empregados deveriam reunir-se e permanecer na embaixada, para maior segurança e facilitar o trabalho de resgate...
- Muito bem - elogiou o príncipe. - Crê que pela localização da embaixada eles estarão a salvo dos bombardeios alemães?
- A embaixada está situada num bairro residencial distante do centro de Varsóvia, alteza - explanou o diplomata. - Dificilmente seria considerada um alvo militar, e pelo que nos revelou, Hitler não deve ter a intenção de causar danos ao prédio ou aos seus ocupantes...
- Alteza, acredita na informação repassada pelo major Zakhar Ilyich? - Indagou o comandante da força aérea, general Petar Olinescu. - A União Soviética tem interesse direto em nosso território!
O príncipe ainda não estava pronto para revelar o inteiro teor de sua conversa com o chefe da espionagem soviética em Bucareste, mesmo para seus assessores mais diretos. Preferiu abordar a questão por outro ângulo.
- General, poderíamos dizer o mesmo de Hitler. Está claro agora que ele está disposto a usar da força para conseguir o que deseja, caso não lhe seja entregue de bom grado.
E voltando-se para o idoso patriarca Miron, complementou:
- Sei que Sua Santidade tem grandes reservas contra uma aproximação com a União Soviética, mas no momento, compor com os russos parece ser a única possibilidade que teremos de resistir ao avanço dos nazistas. Não podemos contar nem com a Hungria, nem com a Eslováquia, que estão sob a influência de Hitler, e nos venderiam sem remorsos por um prato de lentilhas.
O patriarca, cofiou a longa barba branca, pensativo.
- Isso muito me entristece, hospodar. Então, a decisão já foi tomada?
O príncipe fez um aceno afirmativo de cabeça. Em seguida, pousou as mãos sobre a mesa.
- A Valáquia não sobreviveu até hoje exclusivamente por suas forças militares ou por nossa engenhosidade diplomática, todos aqui estão cientes. Estamos novamente num jogo onde somos a parte fraca e desprezada pelos demais... só que agora, algo mudou: as potências que irão se enfrentar, têm alguma ideia, mesmo que imprecisa, do nosso verdadeiro potencial. Já estivemos sob ameaça muitas vezes ao longo da nossa história, mas nunca, ouso dizer, nunca como agora. Arriscaria dizer que a nossa sobrevivência, como povo e como nação, está ameaçada.
Fez-se silêncio no salão. Todos ali provavelmente já haviam parado para pensar o que representava ter que fazer frente às tropas de Hitler, e no fato de que simplesmente não havia a possibilidade de negociar com ele; não sem deixar de existir enquanto Valáquia. O príncipe então, soltou a principal informação da noite.
- O comissário Zakhar Ilyich prontificou-se a nos ajudar na retirada do pessoal diplomático de Varsóvia, se em troca lhe déssemos algumas informações técnicas que ajudarão os soviéticos no seu projeto paralelo de desenvolver algo como o nosso Inima Valahiei.
- A União Soviética possui um Inima Valahiei? - Indagou estupefato o comandante do exército, general Gheorghe Matei.
- Esta é uma informação que até hoje estava restrita a mim e a umas poucas pessoas com acesso direto ao Coração da Valáquia; provavelmente vai mudar o entendimento que possam ter sobre o quão delicada tornou-se a nossa situação. E se a estou estendendo a vocês, é porque sinto que a hora é grave.
Fez uma pequena pausa para tomar um gole de água, e prosseguiu:
- O Inima Valahiei há muito revelou que chegaria o momento em que outras nações obteriam algo semelhante. Semelhante, percebam, não igual. O Inima Valahiei é único, e felizmente, só nós estamos a par disso. Se o restante do mundo tivesse alguma ideia do que ele representa, provavelmente já teríamos sido invadidos e destruídos há muitos séculos. Ocorre que pouco antes da Grande Guerra, a Alemanha, a Inglaterra e a Rússia tiveram conhecimento de que havia uma fonte de poder inimaginável - entre nós representada pelo Coração da Valáquia - e começaram a pesquisar a sério o assunto. Por vias diversas, reuniram diversas pedras, hoje conhecidas como "diamantes da Antártida", as quais possuem características distintas, embora, até onde saibamos, nenhuma como a da nossa. Como já devem estar desconfiados, a única pedra que não está em poder de uma grande potência, é justamente o Inima Valahiei.
- Seria um prêmio que poderia valer o mundo, alteza - sussurrou o primeiro-ministro Dragomir.
O príncipe tomou outro gole d'água antes de responder:
- Não vale somente este mundo, primeiro-ministro... pode ser também a chave para sair dele.
[Continua em "Histórias para dormir"]
- [24-04-2019]