Do que você me chamou?

Desde que a tecelagem Carruthers & Sons em Carlisle, Kentucky, pegara fogo três anos antes, que nenhuma outra indústria se estabelecera na região. Portanto, a chegada de um forasteiro de Charlotte, Jake Cameron, trouxe um alento de esperança, ao espalhar-se a notícia de que ele pretendia construir uma nova tecelagem nos arredores da cidade.

- Sim, estou ciente de que o histórico de Carlisle não é dos melhores quando se trata de tecelagens, mas isso começa a mudar agora - declarou Cameron confiantemente, ao reunir-se com o prefeito para expor seus planos de desenvolvimento para a região. - Por exemplo: os depósitos de cânhamo serão construídos de tijolos, e não de madeira.

- Sábia decisão - elogiou o prefeito. - Os Carruthers perderam tudo numa noite, porque seus galpões eram todos de madeira.

- E ainda vou economizar no seguro - redarguiu Cameron, com uma piscadela. - Prédios de tijolos pagam a menor taxa.

Cameron avaliou em 6 mil dólares o seu investimento no negócio, uma soma considerável, mas que ele pretendia recuperar em menos de um ano, empregando cavalos para o serviço pesado e escravos para a produção de sacaria e cordas de cânhamo.

- Imagino que ex-tecelões da Carruthers ainda estejam trabalhando no condado, - especulou ele - caso contrário, terei que alugar alguns negros de fora.

- Como ficamos sem fábrica, a maioria deve ter voltado à lavoura - replicou o prefeito. - Mas vou lhe dar os endereços dos possíveis proprietários, para que se entenda diretamente com eles...

E lá se foi Cameron, negociar com os fazendeiros. Um deles, Zak Stanton, ficara com a maior parte dos antigos trabalhadores de Carruthers e declarou-se satisfeito com a perspectiva de alugar seus escravos para construir uma nova tecelagem, e posteriormente trabalhar na mesma.

- Os rapazes que trabalhavam para Carruthers têm bastante experiência - afirmou. - Um deles, o George, era o contramestre da fábrica.

Cameron pediu licença para conversar com George, e este foi chamado na plantação. Chegou com o chapéu seguro nas mãos, para ouvir o que o forasteiro queria com ele.

- E aí, rapaz? Que tal voltar a trabalhar numa fábrica, protegido do sol? - Indagou Cameron com um sorriso.

George abriu um sorriso de dentes grandes.

- Seria muito bom, senhor!

Cameron fez algumas perguntas ao escravo, para certificar-se de que ele entendia de manufatura, e quais seriam as indicações para preencher as quinze vagas que planejava ter na produção. Com uma lista pronta, despachou George e sentou-se com Stanton para discutir preços.

- O George vai lhe custar 80 dólares por ano - informou Stanton.

- Caro, hein? - Protestou Cameron.

- Se você já falou com ele, deve ter percebido que entende do assunto - replicou Stanton. - Para os demais da sua lista, faço a 30 dólares por ano, por cabeça.

- Bom, aí já fica mais em conta - avaliou Cameron.

- Não estamos em Charlotte, mas eu vou querer um contrato - informou Stanton. - Você fica responsável por tratar decentemente os meus escravos, alimentá-los, vesti-los, e pagar a conta do médico em caso de doença.

- É razoável - assentiu Cameron.

Ao se despedir do fazendeiro, Cameron confessou que gostaria de comprar George e alguns dos melhores tecelões que se destacassem. O fazendeiro lançou-lhe um olhar estranho e ergueu os sobrolhos.

- Eu não vendo meus negros, senhor Cameron - declarou altivamente. - Aqui não é a Carolina do Norte, é Kentucky. Os negros nessas terras estão com as famílias dos seus senhores por gerações... e nós só os vendemos, para fora do estado, se eles se comportarem mal. O que, aliás, raramente acontece.

E foi assim que Jake Cameron tomou ciência de que uma das piores ofensas que se poderia fazer a um homem branco do Kentucky, era chamá-lo de "traficante de escravos".

- [23-04-2019]