APENAS UM DIA COMUM

Parte 1 – Mamãe, a casa subiu

Em uma manhã de segunda-feira, Alfredo Corvino escutou o seu despertador tocar. Não que ele tivesse algum compromisso durante o dia. Na verdade, gostava de fazer este rito apenas para ter o gostinho de poder voltar a dormir. O rapaz de 30 anos morava na mesma casa que a mãe divorciada, e vivia às custas dela. Apesar da maioria dos dias por ali serem monótonos, nesta manhã de segunda algo diferente aconteceu. O relógio marcava 10 horas, mas não havia luz alguma passando pelos vãos da janela e da porta.

Com toda dificuldade do mundo para levantar, afinal Alfredo passara grande parte da madrugada jogando games online no computador, abriu a janela do cômodo. Ao contrário de outros momentos, dessa vez não havia rua, nem casas, nem nada, somente estrelas. Dizem que o cérebro da pessoa ao acordar demora um certo tempo para funcionar em seu estado normal, mas o do Alfredo Corvino levava um pouco mais que isso.

Calmamente fechou a janela, e passo a passo retornou para a cama. Sentou por alguns segundos, e deitou. Assim que fechou os olhos, a sua ficha caiu. Saltou da cama desesperado, bateu o dedo mindinho do pé direito na cômoda, e mancando, cheio de dor, abriu novamente a janela. A casa estava no espaço, e pior que isso, viajando em uma velocidade ultrarrápida. Era possível ver cometas, meteoros, estrelas, entre outros objetos galácticos.

Assustado, mexeu nos olhos e até se beliscou, mas as estrelas ainda estavam lá. Sem fechar a janela, correu em direção ao quarto da mãe, mas ele estava vazio. Sem saber muito o que fazer, decidiu ir até a cozinha após escutar um barulho vindo de lá. A luz estava acesa, e assim que o rapaz entrou, viu dois homenzinhos verdes, pequenos e gordos, vestiam uniformes vermelhos. No momento em que ambos viram Alfredo, fizeram cara de espanto e correram desesperados em direção a sala.

- Ora! Voltem aqui suas azeitonas gigantes!

Alfredo Corvino correu furiosamente atrás dos serezinhos diminutos. Os seguiu até que fugissem pela entrada da casa. Surpreso se eles haviam caído no espaço, foi devagar em direção a porta. Entretanto, assim que Alfredo se aproximou, percebeu que havia um túnel acoplado do imóvel até uma espécie de nave espacial.

- Ok, ok... Que merda é essa? – pensou, confuso, tentando entender a situação.

Ainda assim, sem refletir exatamente se estaria cometendo uma besteira, seguiu pelo corredor até a espaçonave.

Enquanto caminhava, escutava ruídos pelos cantos. Os barulhinhos finos de cochicho estavam guiando o rapaz pelos corredores. Alfredo não era inteligente o suficiente para fazer marcações por onde passava, e se por qualquer motivo precisasse retornar para casa, nem com um GPS marciano conseguiria. Após alguns minutos, finalmente percebeu que os barulhos vinham de uma cabine iluminada.

- A há! peguei vocês! – Gritou de sobressalto, pensando pegar os verdinhos de surpresa.

Porém, não havia ninguém na sala, e a porta atrás de si se fechou com força. Era uma armadilha.

- Olá, humanoide, aqui quem vos falais és o servo do capitão Bob Bob, consegue nos escutiar?

Alfredo olhou pelos cantos, e viu que o som saia de uma espécie de caixa de som em um dos lados da parede.

- Bob Bob? – riu baixinho – quem são vocês? O que está acontecendo?

- Nossotros sumos do planeta Bob, e gostiamos das casas que vossotros fazem na Terra. Só que pensávamos que esta estiava vazia!

- Pois pensaram errado!

Nisso, uma voz que parecia vir do fundo de onde estava o ser falante, foi claramente ouvida em sussurros:

- Senior, ele é o que os terráqueos chamam de vagabundio. – Após isso, muitas risadinhas também foram escutadas em segundo plano.

- Hei! Essa casa é minha, quero dizer, da minha mãe! Devolvam!

- Não devolveriemos nada! E só para sabier, nossotros comemos humanos! Bob Bob, desligo.

- Espera! – tentou ainda gritar Alfredo, mas haviam desligado o comunicador.

Parte 2 – Herói, mas nem tanto

O local em que estava era pequeno, mas possuía muitas caixas empilhadas. E evidentemente, assim que Alfredo desistiu de encontrar uma saída, e de chorar como uma menininha – me perdoe pela expressão, mulheres terráqueas lindas... e as feias também – resolveu abrir as caixas. Foi uma após a outra. Desapontado, só encontrava peças velhas de nave, nada demais. Porém, quando restava apenas uma, teve uma surpresa. Esta começou a se balançar sozinha, como se tivesse vida própria.

Alfredo se aproximou curioso, e a abriu. Estava vazia.

- Ora, como assim? Essa maldita caixa se mexeu, eu tenho certeza!

Assim que se virou para buscar outras tentativas de escape, teve novamente a impressão de que a caixa havia se movimentado.

- Será que estou ficando louco? Não pode ser.

Para não restar dúvidas, Alfredo ficou imóvel de costas, mas observando a caixa de soslaio. Assim que o objeto tornou a se mexer, ele correu como um zagueiro cobrando pênalti em final de campeonato, e a chutou com toda a força.

- Aiiiiiiii! Cassete! seu animal! – gritou a caixa, que imediatamente começou a tomar forma humanoide.

- Caralho! Que porra é você? – disse Alfredo, assustado, saltando para trás.

O “homem-caixa”, já transformado em figura bípede, mas mancando de dor na canela, estufou o peito como conseguiu, e se apresentou:

- Olá, terráqueo, não posso informar o meu nome real, mas sou um herói em meu planeta. Tenho o magnífico poder de me transformar em caixas e... – Interrompeu a fala, observando que o rapaz a sua frente estava rindo sem parar – Posso saber o que houve? – retomou.

- PUTA QUE O PARIU! Você vira caixas? Que poder mais escroto! – disse gargalhando.

- Não tenho tempo para as suas injúrias infames! Vamos sair daqui. Esses seres comem pessoas.

- Não adianta, já procurei em todos os cantos, e não há como... – parou de falar ao ver que o homem loiro, com cara de galã bobo de comercial de pasta de dente, sorria segurando um pequeno frasco.

- Não contava que o Homem-caixa teria uma solução, não é mesmo? – Disse todo orgulhoso.

- Certo, agora tudo fez sentido. Tome o seu remédio para loucura e vamos pensar em algo.

- Você não entendeu, deixe-me explicar: essas são as caixiplinas, cápsulas capazes de transformar seres comuns, que não possuem meus poderes magníficos, também em caixas. Assim que tomar, nós vamos esperar os Bob Bobinianos virem aqui nos pegar, e assim escapamos.

- Bom, depois do que já vi hoje, não custa tentar. Passa pra cá!

Assim que Alfredo engoliu a cápsulas de caixiplinas, foi sentindo o seu corpo ficando dormente e molenga. Em menos de um minuto, ele realmente havia se transformado em uma caixa.

- Muito bem, pequeno terráqueo. Agora é a minha vez. – Disse o super-herói estranho, pouco antes de também virar o objeto.

Muitos minutos se passaram, até que finalmente a porta de onde estavam se abriu. Dois alienígenas entraram. Os seres gordinhos vasculharam curiosos por todo o canto, e ficaram espantados em não encontrarem mais os seres lá presos.

- Hei, Bob Bob, você achiou eles?

- Não! E nossotros estiamos perdidos! O chefe vai nos matar!

- Calma, já sei! Nossotros vamos jogar essas caixas vazias no espaço! E daí falamos ao chefe que eles estavam dentro delas! O terráqueo e o esquisitão.

- Ideia genial, Bob bob! Acho que só essas duas aqui são suficientes. – Disse, pegando os dois seres transmutados.

Os extraterrestres verdes arrastaram as caixas, batendo com elas sempre em algum pedaço de metal solto pelo caminho. Partiram em direção a uma área de descarga da espaçonave, onde os tripulantes colocavam o que queriam descartar, depois voltavam por uma porta de metal intransponível, para então, por fim, apertarem um botão que fazia o compartimento se abrir e mandar tudo para o saco. Digo, espaço.

- Hei, super-caixa – disse Alfredo, cochichando, enquanto era carregado – estamos ferrados, eles vão nos mandar para fora da nave.

- Relaxa e deixa comigo. – respondeu.

Assim que os seres verdinhos colocaram as caixas no compartimento de descarga, e viraram de costas, para irem à cabine segura, rapidamente o super-herói loiro tomou forma humana, retirou uma arma do coldre de um dos extraterrestres, e tentou atirar em ambos.

Ocorre que as armas eram de brinquedo. Então, sem saber o que fazer, e também, olhando a cara de espanto dos seres rechonchudos por alguns segundos, correu de sobressalto para trás da porta de segurança com o seu amigo virado caixa, e apertou o botão. Os seres foram sugados como se fossem duas uvas verdes na boca de uma imensa baleia.

- É isso aí! Agora sim me surpreendeu! - Comentou Alfredo, ainda como caixa. - Agora é só me fazer voltar a virar gente, e darmos o fora dessa nave!

- Fazer voltar a virar gente? Mas eu nunca disse que isso era possível. – Disse, pensativo.

- Você tá me zoando, né? Sério, cansei de ser caixa. Vamos!

- Confesso que foi a primeira vez que usei as caixiplinas, e na verdade, nem pensei que funcionariam realmente. Mas fique tranquilo, vamos dar um jeito!

- PUTA QUE O PARIU!

Parte 3 – Calma, tá quase acabando

O Super-caixa, carregando Alfredo, que era literalmente uma caixa, partiram em direção ao núcleo da nave.

- Você tem algum veículo espacial, ou plano para sair daqui, não é? – perguntou, Alfredo.

- Sim, precisamos matar o capitão Bob Bob, e tomar o controle da nave. Não sei se mencionei, mas sou um herói em meu planeta, e este ser abominável é uma ameaça para o meu povo.

- A parte do herói ainda não me convenceu, mas essa de matar o líder deles, não me parece algo muito difícil. Não sei se percebeu, mas eles são anões verdes desengonçados, que usam armas de brinquedo.

- Pobre, homem. O líder Bob Bobiniano não é como eles. É um ser assustador. Mas não se preocupe, não sei se já disse...

- Você é um super-herói em seu planeta. – Antecipou a caixa, digo, Alfredo, em tom sarcástico.

No caminho até a sala principal, muitos seres verdinhos foram vistos, mas quase sempre corriam apavorados. Os que tentava algo, quando viam a arma na mão do homem-caixa, mesmo de brinquedo, caiam no chão e se fingiam de mortos.

- Espera, é ali! – apontou o rapaz loiro. – Mas Alfredo nem estava dando muita atenção, pois comemorava feliz que as suas pernas já haviam crescido. – Vou entrar primeiro, se eu gritar, você entra e me ajuda.

Alfredo ficou pensando em como uma caixa com pernas poderia ajudar em algo, mas concordou.

Assim, conforme combinado, o Super-caixa entrou sozinho na enorme sala, mas em poucos minutos, começou a gritar desesperado por ajuda.

- Socorro! Socorro! Afonso, me ajuda! Não me mate! Pare de me morder!

- É Alfredo, Afonso é a sua vó! – gritou o rapaz-caixa, correndo para dentro da sala.

Porém, a nova forma lhe causou desequilíbrio ao correr, e acabou tropeçando e batendo na parede, pouco antes de chegar até o amigo em perigo. Muita poeira caiu em cima do rapaz. Aparentemente, os seres da nave, por serem pequenininhos, não conseguiam limpar as partes altas.

Ainda um pouco desacordado com o tombo, pode ver o terrível monstro se aproximando. E quanto mais perto chegava, mas Alfredo tinha a certeza do que estava vendo.

- É um gatinho?

- Não se iluda com o tamanho, ele é mais perigoso do que aparenta! – gritou o super-caixa, do outro lado da sala, completamente ferido.

- Para com isso! Vem cá, gatinho, gatinho, gatinho... Quem é seu papaizinho, quem é, quem é?

O gato paralisou a poucos metros, olhou bem para aquela caixa falante, e pareceu ter dado um sorriso sarcástico. Lentamente, mas com classe, ficou em posição bípede. Das suas patinhas fofinhas e felpudas, saíram garras grandes e afiadas. O Animal, em um impulso quase mágico, saltou em Alfredo fincando suas unhas e dentes na perna recém surgida ao mundo.

- Gato filha da Puta!

O rapaz tentou correr, mas ainda tonto e com o gato dependurado, tropeçou e caiu novamente, derrubando mais poeira em si. Estava mais atordoado que da outra vez, mas acordado o suficiente para ver o gato subir em sua cabeça de caixa, e fazer as necessidades fisiológicas.

- Ele pensa que você é uma caixa de areia! – Disse o super-caixa, do outro lado da sala, rindo muito. Ensanguentado e quase morto, mas rindo.

Furioso, Alfredo se levantou com o gato acima da sua cabeça e correu em direção a uma janela fechada da espaçonave. Inesperadamente, assim que ele bateu a cabeça nela, esta se abriu. O pobre gato foi jogado para a escuridão do espaço.

- Caramba, isso foi cruel – disse o Homem-caixa, se arrastando até Alfredo – era só um gatinho, poxa.

Parte 4 – Não desista de ler, é o último capítulo

O terráqueo já não era mais caixa, e havia até conseguido limpar um pouco dos dejetos deixados pelo gato.

- Acho que é isso, você consegue devolver a minha casa para o planeta terra? – perguntou, Alfredo.

- Sim, essa nave possui um reversor iônico quântico. Ao apertar ele, direcionado para a sua casa, ela retornará para o mesmo lugar em que estava um dia atrás.

- Esse dia foi muito louco, quem imaginaria que uma segunda-feira poderia ser tão doida? Bem que você poderia me visitar um dia desses.

- Claro, terráqueo! Sempre que estiver passando perto da terra, o Super-caixa irá te abençoar!

Os dois andaram pelos corredores, que ainda possuíam muitos homenzinhos verdes rechonchudos, inofensivos. E foram até o túnel acoplado na casa.

- Acho que é isso, não é? – Indagou, Alfredo. Que não estava muito otimista para retornar à vida de “vagabundio”.

- Não se preocupe, amigo! Ainda nos veremos! Coma bastante cereal!

- Por que disse isso? – perguntou, dando um leve sorriso.

- Não sei, me pareceu legal!

Alfredo entrou na casa, subiu as escadas e foi até o seu quarto. Olhou um pouco o espaço pela janela e, cansado, rapidamente foi para a cama e pegou no sono.

Parte 5 – Estava brincando, mas agora é o último mesmo

O despertador tocou. Já era terça-feira. Alfredo despreguiçou, e levantou mais disposto da cama. Escovou os dentes, mexeu no cabelo, e ainda de pijama foi até a cozinha. Olhou a caixa de cereal, e pensou: – por que, não?

Enquanto colocava o leite na tigela, a campainha tocou.

- Deixa que eu atendo! – gritou a mãe, descendo as escadas.

- Ufa! – pensou, Alfredo. A sua mãe estava bem, e tudo havia voltado ao normal.

Deixou o objeto na mesa, e foi até a porta de entrada. Não conseguia ver ao certo com quem a sua mãe estava falando. Se aproximou lentamente, até que pudesse ver. Era um senhor baixinho, esverdeado e com bigode claramente falso.

- Señorita, Nossotros trouxiemos una encomendia de su família! És um presente!

- Ah! que fofo, é um gatinho!

Assim que a sua mãe o pegou no colo, o bichano esticou o pescoço por cima do ombro para ver Alfredo!

- Mãe? Mãe?? Mãeeeeeeeeeeee!!!