Nossa modesta contribuição
[Continuação de "O Espírito Guardião"]
A folha direita da porta de carvalho do gabinete do hospodar Radu Bucsa Nicolescu foi aberta para dar passagem ao embaixador do Reino Unido, Everett Palmer, um homem alto e magro com cabelo grisalho cortado rente. Curvou-se rigidamente perante o mandatário da Valáquia, sentado atrás de uma imponente escrivaninha coberta de papéis.
- Alteza, cá estou - apresentou-se.
- Por favor, embaixador, tome assento - convidou o príncipe, fazendo um gesto para as duas cadeiras estofadas com tecido Jacquard, à frente da escrivaninha. Enquanto aguardava que o convidado se ajeitasse, ajustou o monóculo no olho direito e apanhou um documento datilografado.
- Este é o texto do telegrama que enviei à Varsóvia, embaixador - declarou, estendendo a folha de papel. - Leia, por favor.
- "Em cumprimento ao nosso tratado de mútua defesa, estaremos enviando brevemente uma Força Expedicionária através dos territórios da Hungria e Eslováquia" - leu Palmer em voz alta. - "O quantitativo de tropas e equipamentos, dependerá da autorização de trânsito fornecida por estes dois países".
E erguendo os olhos para o príncipe:
- Isso não vai soar como uma declaração de guerra para Hitler?
- Espero que não - retrucou o hospodar. - Tomei o cuidado de informar ao embaixador alemão, Lorenz Klugmann, que iríamos enviar tropas para resgatar nosso pessoal diplomático e civis valaquianos residentes em Varsóvia... é uma questão de tempo para que os nazistas cheguem lá, mas enquanto tal não ocorre, aludi à possibilidade de tumultos e saques pelas forças polonesas em retirada.
- E posso saber como ele recebeu esta informação, alteza?
- Não ficou muito satisfeito, embaixador. Todavia, pareceu entender que temos a obrigação legal de ao menos parecer que estamos fornecendo alguma ajuda contra os invasores... por modesta que seja.
- Compreendo - redarguiu Palmer, juntando as mãos no colo. - Muito prudente de sua parte, embora desejássemos que se unisse às Forças Aliadas em nossa luta contra os nazistas.
- Quando chegar o momento, embaixador - replicou o príncipe, erguendo as mãos. - Ou poderia me assegurar que teríamos substanciais reforços em nossas defesas para enfrentar as tropas de Hitler?
- Não posso lhe assegurar isto, alteza - admitiu Palmer, embaraçado. - Temos uma frente ocidental extensa para cuidar, neste exato momento; embora igualmente eu não acredite que os alemães irão se contentar apenas com a Polônia.
O príncipe esboçou um sorriso.
- O que nos deixa meio que a nossa própria sorte, não é, embaixador?
E, entrelaçando as mãos sobre a escrivaninha:
- Mas não se preocupe, já temos certa tradição em cuidar de nós mesmos. E, quem sabe, mais à frente no caminho, estaremos caminhando juntos...
- Assim espero - declarou Palmer, mais aliviado.
[Continua em "Hic sunt lupi"]
- [28-03-2019]