Só quero chocolate
A porta da cela foi aberta e por ela entraram dois oficiais do exército revolucionário. A prisioneira ergueu-se, imaginando que seu fim era chegado.
- Cidadã Bécu, - disse um deles - tendo a sentença de morte sido proferida perante o Tribunal Revolucionário de Paris, viemos informá-la de que será conduzida para a guilhotina, onde pagará por seus crimes.
- Os quais eu refuto totalmente - retrucou ela, mesmo sabendo que não havia qualquer possibilidade de apelação.
- Deseja confessar-se antes da execução, cidadã Bécu? - Indagou o outro oficial.
- Não... - ponderou ela, braços caídos ao longo do corpo, cabeça baixa. - Mas posso fazer um último pedido?
- Se estiver dentro do razoável... - replicou o primeiro oficial.
- Uma última xícara de chocolate - disse ela, erguendo a cabeça. - Quente, se possível, que as noites aqui andam frias.
Os oficiais entreolharam-se.
- Bem... veremos o que se pode arranjar - declarou o primeiro oficial.
- Eu tenho um colar de pérolas escondido num local seguro - aduziu a prisioneira. - Parece-me que em breve não terei mais pescoço para usar, portanto, ficaria como pagamento por este último favor.
- Parece-me razoável... - comentou o segundo oficial.
Ao sair da cela, os oficiais trocaram ideias.
- Eu já havia ouvido falar nessa paixão da cidadã Bécu por chocolate, mas não pensei que fosse algo tão extremo - disse o primeiro oficial.
- É o último desejo dela, não é? E se valoriza mais o chocolate do que a salvação da alma, quem somos nós para criticá-la? - Redarguiu o segundo. - Afinal, sabemos que os padres, mesmo os que aderiram à Igreja Constitucional, não são confiáveis...
Um bule de chocolate quente e uma xícara foram providenciados. E a cidadã Bécu, outrora conhecida como Madame du Barry, pode saborear pela última vez a bebida que amava.
- [17-03-2019]