Língua de sogra

Banayirrmban saiu da floresta cambaleante e adentrou a clareira, o ombro direito sangrando pelo que deveria ter sido um tiro de raspão,o corpo negro coberto de lanhos. Os membros do clã, que no momento faziam uma refeição ao redor da fogueira, ergueram-se, eu com eles. Banayirrmban me encarou, assustado, e depois baixou os olhos. Silêncio.

- O que houve? Por que ele não fala? - Sussurrei para meu guia nativo, Mungarra.

- A sogra dele, Wangawa, está presente - retrucou, à guisa de explicação.

O silêncio continuava. Banayirrmban tremia e parecia prestes a desabar no chão.

- Eles estão brigados? - Indaguei, perplexo.

- Não. É tabu falar na presença da sogra.

Aparentemente tomando conhecimento de que estava criando problemas para o genro, Wangawa, uma jambiba mirrada com seios caídos sobre a barriga, pegou um pedaço de carne que assava sobre a fogueira e recolheu-se a uma das cabanas de palha. Finalmente, o pobre Banayirrmban pôde abrir a boca:

- Guwuy... - começou a falar.

Guwuy. Os colonos brancos, naturalmente. Muitos atiravam nos nativos por pura maldade, eu tinha conhecimento, embora os dyirbal fossem inofensivos. Mungarra fazia o possível para traduzir o relato para mim, embora o dialeto local lhe desse trabalho.

- Foram os guwuy do warrjan que atiraram nele - explicou.

- Warrjan... ah, os baleeiros - intuí. Havia uma colônia de pescadores de baleias na costa, e embora os caminhos deles e dos dyirbal quase nunca se cruzassem, já que os nativos viviam na selva, eventuais contatos nem sempre ocorriam de forma pacífica, como Banayirrmban podia comprovar.

- Os guwuy avisaram que se algum dyirbal fosse até o acampamento deles, atirariam para matar - resumiu Mungarra.

- E por que algum dyirbal iria querer ir lá? - Questionei. - Os colonos quase sempre agem de modo hostil.

- Alguns dos guwuy do warrjan tomaram yibi dos dyirbal - esclareceu Munbarra, enquanto Banayirrmban finalmente sentava-se no chão de terra batida, exausto.

Yibi. Mulheres. Os baleeiros obviamente queriam satisfazer suas necessidades, e não havia nenhum prostíbulo num raio de centenas de quilômetros. Portanto, capturaram nativas; os pobres dyirbal, armados de lanças e pedras, não eram páreo para europeus munidos de armas de fogo.

No chão, Banayirrmban cobriu a cabeça com as mãos, em desespero. Murmurou alguma coisa, várias vezes.

- O que ele está dizendo agora? - Indaguei.

- Por que os guwuy não trazem suas mamas? - Replicou Munbarra.

Mamas. Mulheres brancas. Não, elas não viriam voluntariamente para tão longe, ponderei.

A Inglaterra teria que mandar detentas, se quisesse povoar a Austrália.

- [11-03-2019]