Avante! Avante!

Quando Heini dobrou a esquina e viu o trio de rapazes de camisas pardas e calções pretos que vinha em sentido contrário, pensou em correr de volta para casa, mas eles já o haviam visto. Parou no meio da calçada, cabeça baixa, braços caídos ao longo do corpo, uma expressão de impotência desenhada no rosto. Os rapazes o cercaram, expressando consternação.

- Olha só pra ele... está cheio de manchas roxas - disse um.

- E esse olho preto? Quem fez isso, Quex? - Indagou outro, pegando gentilmente no queixo do garoto e o erguendo.

Heini teve que encarar quem o interpelava. Um jovem alto e louro, de penetrantes olhos cinzentos, o lenço preto do uniforme cuidadosamente preso sobre o peito por um arganel.

- Eu não quero falar sobre isso, Hans... - murmurou Heini, esforçando-se para conter as lágrimas. O rapaz louro soltou seu queixo e balançou a cabeça, num gesto de discordância.

- Foi seu pai, não foi? - Indagou Hans, contraindo os maxilares em desagrado.

- Meu pai não quer que eu fale com vocês... diz que são má influência - prosseguiu Heini, enxugando os olhos com o dorso do braço.

- Ele te bate e nós somos a má influência? - Sussurrou Hans, entredentes.

- Meus pais não gostam do Führer - sussurrou Heini, de cabeça baixa.

Os rapazes entreolharam-se atônitos.

- Heini é judeu? - Inquiriu outro jovem, de faiscantes olhos azuis e cabelos negros e lisos caindo sobre a testa.

- Não, Günther! A família dele é ariana, posso certificar - retrucou Hans. E passando um braço protetor sobre os ombros de Heini:

- Os pais de Heini são comunistas! Inimigos de tudo o que é bom e decente na Alemanha!

Os rapazes emitiram murmúrios de descrença.

- Como pode alguém bom e gentil como o pequeno Quex ser filho de tais monstros? - Questionou o ruivo Hermann.

- Propaganda inimiga! - Retrucou incisivamente Hans. - Há uma conspiração internacional de comunistas e judeus para destruir a Alemanha... e nós somos a última barreira que impede a derrocada do Mundo Ocidental!

- Mas o que podemos fazer para tirar Quex das mãos dos seus opressores? - Hermann abriu as mãos em desalento. - São os pais dele!

Hans lançou-lhe um olhar desafiador.

- A Lei está do nosso lado! - Exclamou. - Vamos denunciar esse abusador de crianças... ele vai perder a guarda do Quex e acharemos um bom lar ariano para que o garoto receba a educação adequada.

- Eu vou poder entrar para a Juventude Hitlerista como vocês? - Indagou Heini, esperançoso.

- Pode considerar-se já como o nosso D'Artagnan - redarguiu Hans.

E erguendo o braço direito do garoto, gritou:

- Sangue e Honra!

- Sangue e Honra! - Responderam os demais, inclusive Heini.

Horas depois, a Gestapo invadiu a residência da família de Heini e houve troca de tiros, pois os pais do garoto guardavam armas ilegais em casa, as quais seriam usadas num ataque terrorista contra a sede local do Partido Nazista. Infelizmente, o pequeno Quex foi colhido pelo fogo cruzado e acabou falecendo antes que o socorro chegasse.

Mas, como um verdadeiro herói ariano, as últimas palavras do membro adotivo da Juventude Hitlerista foram de exortação aos seus camaradas:

- Avante! Avante! A juventude desconhece o perigo...

- [16-02-2019]