Da natureza selvagem
Ben Larson levou-me em seu castigado Cessna Skyhawk para que eu presenciasse de cima o problema a ser gerenciado: cavalos selvagens. Manadas deles, com dezenas de animais cada, galopavam pelas áreas de pastagem ressecadas abaixo de nós.
- Na verdade é um erro chamá-los de cavalos selvagens... são tão selvagens quantos gatos e cachorros vira-latas - explicou didaticamente Larson, enquanto dava uma rasante sobre um grupo que dispersou-se em todas as direções. - Seus ancestrais eram animais domesticados, que foram abandonados e readaptaram-se à viver em liberdade.
- Sem dúvida, este é um dos grandes símbolos da América - ponderei.
- Decerto. O problema é que a legislação em vigor protege em demasia estes "mustangs"... foi elaborada numa época em que o número de animais havia sido drasticamente reduzido pela caça indiscriminada...
- Caçados para venda como comida de cachorro, se bem me lembro - retruquei. - Pelo menos é o que se vê naquele filme de 1962, "Os Desajustados".
- Filmado aqui em Nevada - redarguiu Larson com orgulho, embicando o Cessna no rumo do rancho à beira do deserto. - Mas a questão agora não é essa. Não queremos que o abate dos "mustangs" seja autorizado para que sejam vendidos para a indústria de ração... os objetivos da nossa associação estão em preservar uma quantidade ecologicamente sustentável de animais saudáveis. O que temos hoje, como você pode observar, é uma superpopulação de cavalos e burros selvagens; eles disputam alimento das pastagens com o gado dos fazendeiros locais.
- E para atingir esta população ecologicamente sustentável, vocês propõe liberar o extermínio dos "mustangs"? - Questionei.
- Se isso não for feito, estes animais irão morrer de fome, como ocorria há alguns anos. Ou terão que ser alimentados com forragem paga pelo contribuinte. Não queremos nem uma coisa nem outra - arguiu Larson com veemência. - O abate dos excedentes é a melhor solução para um problema antes de tudo econômico.
E era, de fato. As pastagens não tinham dono, mas a precedência era do rebanho economicamente viável, bois e ovelhas.
- Eu entendo que isso pode ser justificado de uma série de maneiras, - repliquei - mas o certo é que a população em geral não gosta de saber que "mustangs", um símbolo de liberdade da América, estão sendo mortos para que o gado tenha mais espaço para pastar.
- Tudo seria mais fácil se as pessoas comessem carne de cavalo - retrucou Larson, aproximando-se da pista de pouso no deserto.
- E se a associação lançasse uma campanha de adoção? - Sugeri.
- Adote um "mustang"? - Larson ergueu os sobrolhos e começou a puxar o manche.
Só voltamos a conversar depois que a aeronave havia taxiado.
- Adoção não funciona - disse-me ele finalmente, enquanto desafivelávamos os cintos de segurança. - Pouca gente se interessa e há sempre muitos animais na fila de espera.
- Eu conheço um matadouro no Oregon... eles trabalham com exportação de carne de cavalo. Extraoficialmente, claro - comentei ao descer do avião.
Larson franziu a testa.
- E o que tem isso a ver com adoção?
- Pagamos alguns testas de ferro para adotarem os animais... e eles os vendem para o matadouro. Se forem pegos, a associação não terá qualquer envolvimento com a história.
Larson me deu um tapinha nas costas.
- Ei! Estou achando que isso pode funcionar!
Duas semanas depois, os primeiros caminhões com cavalos adotados tomaram o rumo do Oregon.
- [13-02-2019]