Foto Google
 
Antonio de Albuquerque
Flor do Jacarandá

Quando o sol dourado declinava atrás da montanha encoberta por árvores centenárias, cheguei a fazenda são Domingos. Eu tinha  um grande sonho a realizar, subir a montanha para encontrar uma velha casa abandonada no seu platô, e assim, planejei subir ao amanhecer. Dona Evanildes havia me advertido da existência de aparições e a presença de repteis na montanha, coisa natural nos sertões maranhenses, como também na velha casa abandonada, berço de lendas e histórias, algumas absorvidas pelo tempo, mas presentes na memória de  moradores do lugar. Meu amigo Domingos proprietário da fazenda, havia falado que aquilo era conversa de medrosos, embora ele mesmo não houvesse escalado a montanha há muitos anos. Diante do exposto prometi ser  cauteloso e as seis horas da manhã dirigindo um quadricicolo comecei a subir.

Após uma hora deixei o veículo, iniciando uma longa caminhada. A subida era íngreme, e a velha trilha formada de barro vermelho e pedras que eu com dificuldade deslizava sobre elas.  Com a respiração alterada, parei para repousar e observei uma centenária cajazeira e um pau-d’arco, onde sabiás, canários e bem-te-vis orquestravam uma bela sinfonia de cânticos, seguidos por outros pássaros da serra. Depois, no silêncio, escutava minha respiração, ouvindo pequenos insetos e calangos bulir nas folhas secas sobre a terra vermelha,  sentindo o perfume dos ipês, acácias, açucenas, arueiras e araçás. Espiando a copa do mulungu enxerguei a luz do sol por entre seus galhos de folhas miúdas.

Voltei a caminhar, subindo entre imburanas pau-d’arco e outras árvores nobres, consciente que passeava num santuário de beleza inenarrável em busca da casa velha, e a encontrei. Pareceu-me uma miragem, mas lá estava ela, que eu havia visto em sonho. Parecia abandonada e adentrei para me inteirar. A casa tinha o porte de um palácio do século dezoito. O piso dos cômodos era de jacarandá inclusive o da escada que dava acesso ao segundo piso, o teto era forrado com cedro amarelo. Nas paredes desgastadas pelo tempo pude observar belas telas de pintores de renome; Manuel Madruga, Pedro Américo, Francisco Solano e outros tantos famosos. Um velho piano de calda com cheiro de saudade ainda resistia ao inexorável tempo,  na sala de música encontrei confortável poltrona para repousar meu corpo exausto e embasbacado com tanta beleza. Num ambiente que outrora fora um imenso vergel, pude sentar à sombra de uma pitangueira, em completo silêncio querendo falar com Deus, quando um homem tocou em meu ombro chamando-me pelo nome. Perguntei o seu e ele respondeu que revelaria após contar-me uma história.

Em 1930, aqui era a maior fazenda desta região, nós éramos primos e amávamos a mesma mulher, a criatura mais linda que meus olhos já contemplaram. Elizabeteh era nossa prima que  por mim nutria um grande sentimento de amor. Movido por ciúme engendrei um plano para me livrar de você e casar com Elizabeth. Para efetivar meu macabro plano, o desafiei para duelar, e você aceitou. Assim, quem sobrevivesse casaria com Elizabeth. Eu e ela sabíamos que você era exímio atirador e assim Elizabeth acreditou que eu não seria páreo para você. Porém, véspera do duelo penetrei no paiol onde estavam as armas,  colocndo em sua pistola duas balas de festim. No dia seguinte na presença de testemunhas foi consumado a minha traição, você caiu morto e eu, o pseudo vencedor. Dessa forma causei sua morte, um irreparável desgosto para quem tanto lhe amava.

Dias depois ela me fez prometer que eu ficaria na terra para um dia, quando você voltasse lhe revelar a história verdadeira e lhe pedir perdão, para tanto, tive que lhe esperar neste mesmo lugar. Veja aquele jacarandá centenário! Foi ali sob as flores daquela árvore que ela permaneceu alheia a tudo até falecer. Seus pais sepultaram seu corpo ao pé do jacarandá, lugar aonde também  seu corpo fora sepultado. Elizabeth acreditava que no céu encontraria com você e juntos seriam felizes para sempre. Assim, ela não foi sua esposa nem minha. Agora eu humildemente rogo seu perdão. Assim falou o enigmático homem, afirmando chamar-se Jacinto. Eu o perdoo com o mais sincero sentimento de amor que um homem pode sentir, creio que você já colheu o fruto do seu plantio. Disse-lhe com um afetuoso abraço, beijando-lhe o envelhecido semblante.

Fitando as flores do jacarandá e os raios de sol ,entre seus galhos eu senti um profundo sentimento de amor e imensa saudade sem razão aparente. Alegre e feliz, olhei em torno e não encontrei a figura do ancião Jacinto. De volta para casa, refleti sobre a morte e a vida que são plenas de mistérios! E, entre todos  a vida é o maior de todos. Nada é fortuito. Junto ao quadricicolo encontrei  Duany e  Gabriela me esperando, eles imaginavam que eu havia me perdido na montanha. Apenas, vivenciara uma grande experiência num encantador lugar. De volta para casa refleti sobre os misterios da vida.
Antonio de Albuquerque
Enviado por Antonio de Albuquerque em 22/01/2019
Reeditado em 31/01/2019
Código do texto: T6557073
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.