1101- KOROWAI - 4A, PARTE
Os Korowais tem outra peculiaridade, além daquela de gostarem de comer carne humana. Trata-se das suas habitações.
Suas “casas” comunitárias, para uma ou duas famílias, são montadas sobre troncos de árvores, cujas copas são cortadas a altura de vinte ou trinta metros. Sobre quatro ou mais troncos cortados à mesma altura, constroem uma plataforma rústica, de galhos desfolhados, onde erguem a casa, geralmente baixa, pois são pessoas de pequena estatura. São coberta com capim seco, amarrados a finas varas com cipó de uma espécie fina, flexível e resistente. .
Não têm móveis nem lugares organizados para guardarem coisas. No centro da rústica (mais do que rústica, parece mesmo ser improvisada) área um pequeno fogo, aceso dia e noite. Cozinham sobre folhas de bananeiras, mas colocam peixes e uma espécie de mandioca para assarem diretamente nas brasas.
Sobem por escadas precárias: dois longos paus com degraus amarrados com cipós. Não conhecem pregos nem qualquer ferramenta de metal. Há poucos anos ainda usavam o machado de pedra. Toda a construção é amarrada com cipós. Balança quando o vento é forte mas permanece amarrada lá no alto.
As casas são isoladas no meio da densa floresta. Uma vila é constituída de quatro ou cinco casas, que não têm visão umas das outras, pois são cercadas de mata por todos os lados. Comunicam-se aos gritos.
São pacíficos e vivem com muita dificuldade num ambiente hostil e que proporciona pouca alimentação. Gastam os dias na procura de comida: peixes, insetos, larvas sob paus podres, e eventualmente, um porco-do-mato. Caça apreciada, mas de difícil empreitada, já que são ariscos e vivem em rebanhos e são muito ferozes quando se trata de se defenderem dos caçadores.
Os homens de uma vila se reúnem aleatoriamente num clareira situada defronte à habitação do “chefe”. Este chefe nada mais é do que o pai dos homens que habitam as outras cabanas com suas famílias, constituindo-se, portanto, as vilas nada mais do que as famílias de um pequeno clã.
O canibalismo, se atualmente é praticado, constitui-se num rito muito secreto, conhecido de apenas um ou dois exploradores ocidentais, que conseguiram fugir após terem presenciado, escondidos, a tal barbaridade.
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Nem todos os membros da expedição conheciam tais particularidades sobre os Kowaris. Por isso o grupo que se dirigiu à aldeia Kowari foi fortemente armado. A presença de aspecto feroz do chefe no acampamento fez com que todos pensassem serem todos muito ferozes.
Tinham uma pálida noção dos costumes e das vilas ou aldeias sobre árvores. Mas muitas surpresas ainda viriam.
— Será que tem vigias? —Alguém perguntou.
— E como faremos para assaltar uma casa suspensa, se as escadas forem retiradas ou quebradas? — Outro perguntou.
Nenhuma resposta às indagações dos componentes do grupo de resgate.
Os carregadores, elevados à categoria de guias não tiveram dificuldade em seguir a trilha batida pelos índios, quando levaram a doutora Suzana, e pela qual Djibuto voltara, fugindo. Em poucas horas de marcha forçada, chegaram à primeira casa.
Nenhuma vigilância. No alto apareceu uma cabeça negra, de um kovari amedrontado.
Alguns dedos brancos apoiados em gatilhos. Sabe-se lá de onde poderia vir um flechaço mortal.
Os guias gritaram, naquela linguagem que poucos conheciam:
— A casa do chefe. Do chefe.
O homem apareceu na beirada da plataforma da casa e gesticulou energicamente na direção do sol nascente, para o leste, gritando palavras que os guias souberam interpretar.
Seguiram um caminho já bem usado, na direção ao leste. Caminharam cerca de meia hora e encontraram uma nova habitação suspensa. Um pouco maior do que a primeira, e com movimento de pessoas dentro: as silhuetas eram visíveis, pois, como todas as habitações, as vivendas não tinham paredes.
Não se ouviam sons, já que a casa estava erguida a uns vinte metros ou pouco mais. Os guias voltaram a gritar na direção da cabana aérea.
Apareceu um índio alto, magro, que todos reconheceram: era o mesmo que, com dois companheiros, passaram uma tarde e uma noite de pé, completamente imóveis, no acampamento. Rangu-kalan. Uma figura e tanto: completamente nu, apenas uma faixa de pano ou tecido de folhas, enrolada ao redor da testa.
Levantou os dois braços vagarosamente e gritou; os guias foram traduzindo para os brasileiros o que ele disse.
— Salve! Salve! Homem branco!
— Onde está a mulher- chefe branca que veio com você?
— Muito doente. Quase morrendo.
Os homens e mulheres do grupo de resgate se agitaram.
— Queremos ela de volta. Agora!
— Sim, sim, sim. Mulher branca vai ser levada prá vocês.
— Queremos ela viva!
— Muito difícil levar mulher pela escada. Preciso ajuda.
— Vamos subir.
— Não! Casa não aguenta. Apenas duas pessoas prá me ajudarem.
Rapidamente a equipe discutiu quem iria lá em cima: doutora Arlete, com a mochila contendo medicamentos e material para primeiros socorros e Nelson, que era especialista em salvamentos em situações de alto risco. Forte e capaz de carregar nos braços a doutora Suzana.
Quando chegaram lá em cima, se depararam com uma situação que jamais pensaram encontrar: deitada num canto da precária construção, sobre folhas secas, jazia Suzana: esquálida, branca como cera, e com manchas de sangue perto da boca e no pescoço. Olhos fechados. Inconsciente.
Arlete ajoelhou-se ao lado de Suzana, e rapidamente apalpou-a, sentiu o pulsar e escutou o coração.
Abriu a mochila e encontrou logo o que desejava: uma seringa e um frasco de adrenalina.
Sem tirar os olhos de Suzana e da seringa cujo conteúdo diminuía devagar, falou com Galeano:
— Mande subir a maca. A doutora Suzana está muito, muito debilitada.
ANTONIO ROQUE GOBBO
BELO HORIZONTE, 13 DE DEZEMBRO DE 2018.
CONTO # 1.101 DA SÉRIE
INFINITAS HISTÓRIAS