Um dia a casa cai

[Continuação de "Fundações do medo"]

E tendo deixado a jovem Wami com seus parentes nas montanhas de Hirosanti, Isamu partiu para a vila de Ishimura, domínio do general Takamoto. Ao avistar um grupo de trabalhadores que preparavam o almoço sob algumas árvores fora do vilarejo, perguntou se poderia parar ali para comer com eles.

- Não é proibido sentar-se conosco e usar o nosso fogo, - avisou um sujeito gordo - desde que você tenha trazido sua própria comida.

- Tenho meu hoshi-ii bem a mão - Isamu bateu na bolsa que carregava a tiracolo.

- Então é bem-vindo - retrucou o gordo. - Eu sou Rintaro.

- Eu sou Isamu, estou a caminho de Towada - apresentou-se o rapaz.

Enquanto cozinhava o arroz acompanhado de haliote seco, sua refeição habitual, Isamu aproveitou para inteirar-se da situação local.

- Disse que estava indo para Towada. Peregrinação? - Questionou Rintaro.

- Sou marceneiro. Estou a procura de trabalho - declarou Isamu, enchendo uma cuia de arroz e armando-se de seus hashis de bambu.

- Towada é longe - avaliou Rintaro. E, fazendo um gesto para o grupo à sua volta:

- Nós trabalhamos na construção do novo castelo do general Takamoto. Se você for um bom marceneiro, posso lhe conseguir uma vaga com o intendente do general. E somos pagos com boas moedas chinesas, não essas imitações baratas feitas aqui no Japão.

- É bom também avisar ao moço que que o general costuma cortar a cabeça de marceneiros incompetentes - advertiu com ar de troça um sujeito magro, cabeça raspada, dentes falhados.

- Deixe de histórias, Ichibei - atalhou Rintaro. - O general só anda tendo muita dor de cabeça para erguer as paredes do castelo...

E, baixando a voz em confidência:

- Parece que há uma maldição no lugar... se você acredita nesse tipo de coisa.

- Oh, eu acredito sim - admitiu candidamente Isamu. - E isso torna a sua oferta até mais interessante... quando posso ver a obra?

- Assim que acabarmos de almoçar e tomarmos um chá... por nossa conta!

- Muito generoso da sua parte - agradeceu Isamu, juntando as mãos e inclinando a cabeça.

* * *

A colina Hokusan, onde estava sendo erguido o novo castelo, era bem próxima à entrada de Ishimura, um local estratégico a cavaleiro da curva do rio Hirosawa. Isamu e os trabalhadores subiram ao local da construção, onde Rintaro o apresentou ao intendente, Tomoyuki.

- Você entende de caibros e telhados, rapaz? - Indagou o intendente, lançando um olhar crítico para o recém-chegado.

- Sim, Tomoyuki-san, tenho experiência nesse tipo de serviço. Trabalhei inclusive na construção de uma casa de campo da onna-bugeisha Jun Wakaizumi.

- Uma samurai, hein? Ótimo - avaliou o intendente. - Então pode começar direto pela ala oeste, que está mais adiantada. Deveríamos estar terminando a ala norte, mas infelizmente há algo neste lugar que parece impedir que a obra seja concluída.

- O senhor deve conhecer o ditado popular... "uma casa começa a ruir assim que termina de ser construída" - sondou Isamu.

- Não é esse o caso - refutou o intendente. - As paredes da ala norte, voltadas para o rio, têm desabado sistematicamente... e não é por imperícia dos pedreiros. O general Takamoto está convencido de que se trata da interferência de alguma divindade do rio, insatisfeita com a construção, e inclusive já requisitou o hitobashira.

- Então, neste caso, está tudo resolvido - opinou Isamu cautelosamente.

- Estaria... se a vítima escolhida não houvesse fugido - atalhou o intendente. - Mas os soldados do general estão atrás dela, então, é só uma questão de tempo...

E dando a conversa por encerrada, despachou Isamu para onde seus préstimos eram necessários.

[Continua]

[22-12-2018]