FINAL DO CAPÍTULO 06 RELEMBRE


Depois entrou na venda e pegou toda a munição e armas que o português mantinha lá, “para vender”, na maior calma, como se aquilo fizesse parte da sua vida, tomou um talagada de cachaça e só aí saiu e viu os três irmãos chegando. Com eles quase todo o povoado que durante a refrega se enfiaram dentro de casa, mas agora que as coisas pareciam calmas, tinham curiosidade de saber o resultado que por muitos anos seria comentado em todo o nordeste, como a honra lavada com sangue da desgraceira.





 

TROVULINO 07

     - Prestem atenção, peguem as coisas da venda e dividam entre todos, quando os macacos chegarem aqui, diz que foi Trovulino quem carregou. Você Zequinha fique no povoado, por que tem mulher e filhos, Juca e Pedro se quiserem podem vir comigo por que de agora em diante eu vou virar cangaceiro. Os dois irmãos se assanharam logo para irem com o irmão e Trovulino mandou-os esperarem, pois, ainda tinha uma coisinha para fazer. Montou a cavalo e seguiu em direção ao rio onde sabia que Juversina sua traidora mulher estaria lavando roupas e se rindo da cara dele. Os irmãos se embriagando com cachaça, o cheiro de sangue e a desgraceira acontecendo, começaram a gritar e saquear a venda chutando e massacrando mais os corpos, deixando-os em frangalhos numa sanha de horror e sem propósito, típica da violência quando explode nos corações..

     Trovulino ao se aproximar da ponte, foi com o cavalo bem devagar e da margem da estrada viu entre as frestas da vegetação a sua presa. Freou a montaria amarrou a rédea num arbusto, tirou o laço da sela e depois de abrir a laçada foi se aproximando pé ante pé até bem próximo de Juversina que devido ao barulho da água corrente e o langor que se encontrava, nada ouviu. Ela estava refestelada em uma pedra com as pernas dentro da água e lembrando os bons momentos passados junto ao pistoleiro sem imaginar que a estas horas ele estava morto. Sentiu o laço prender o seu pescoço e tentou desvencilhar-se, mas um soco no lado da cabeça e o laço retesado a impediram. Tomou mais duas pancadas na cabeça e perdeu os sentidos, quando acordou estava com as mãos amarradas atrás das costas o laço passado sob as axilas e o seu marido corno olhando-a com o rosto frio e inexpressivo, não disse nada, mas seus olhos como uma faca, mostravam todo o ódio que estava sentindo. Com a ponta do laço presa ao arção da sela ele montou enquanto ouvia os gritos de Juversina, tocou o cavalo em direção ao povoado a trote e arrastando a mulher nas pedras da estrada.

     Quando chegou: o que restava das roupas e da pele da mulher eram tiras sangrentas, ela gemia, mas estava sem forças por causa dos ferimentos e do sangue perdido. Ele apeou do cavalo e o pessoal mostrou toda a violência gritando para que ele a matasse, ele tirou um revolver do coldre e apontou para a multidão gritando para que se afastassem e carregassem as crianças com eles. Quase no mesmo instante a rua ficou vazia, no entanto a curiosidade mórbida das pessoas as fez entrar todos nas casas mais próximas para assistirem o que adivinhavam ser a execução da mulher. Os quatro irmãos permaneceram juntos, Trovulino pediu ao irmão casado que se fosse, ele obedeceu, e intimamente deu graças a Deus, pois, não gostava de violência, embora se o irmão deixasse os acompanharia para o cangaço, afastou-se procurando ficar próximo às pessoas que estavam nas casas assim não seria acusado de participar dos crimes do irmão.

     O homem pegou o trapo que estava à mulher e colocou em cima do pistoleiro morto, ela estava consciente e balbuciou mate-me é seu direito. Ele não judiou mais dela, disparou nas costas em cima do coração e ela teve um espasmo e ficou quieta, ele não chorou, achou que ela não merecia suas lágrimas, dali em diante, pensou... Nunca mais derramarei uma lágrima por ninguém nem mesmo por meus parentes mais próximos. Montou e depois de dar instruções aos irmãos partiu a galope na direção que segredara a eles. Os irmãos juntaram os tarecos e foram para a casa do pai que ficava numa biboca e onde o velho morava e gostava de ficar só.

     Quando lá chegaram o pai logo estranhou e perguntou: (o que aconteceu pra móde cês ta qui dia de hoje?) Os rapazes contaram ao pai todo o acontecido e ele disse: - (eu sabia que aquela muié era safada e ia botá o Trovulino em dificurdade, e ocês vai pra onde com estas armas? Nóis vai com o nosso irmão pro cangaço defendê ele, - pois ta certo, vivi muitos anos no cangaço e se fosse mais novo ia adjunto docês, ocês num pode ficá aqui não, os macaco daqui a pouco chega no rasto. Vão pra grota da fumaça e fica lá inté as coisas isfriá deixa que aqui eu siguro as potoca.) Os rapazes se foram, mas andaram um pouco e ouviram tiros, voltaram e do alto de um morro viram os macacos rodeando o pai e dois macacos no chão estirado. Eram muitos os soldados, os dois tiveram que fugir indo a procura do irmão para contar o acontecido e ver o que decidia Trovulino. Quando o encontraram relataram o acontecido e aguardaram.

     Trovulino encostou-se em um velho esteio dos que sobraram de uma casa em ruínas e rezou. Engraçado como pessoas que teoricamente quando tiram à vida de alguém perdem a condição de candidatos aos céus, não se apercebem disso e rezam, ou fazem-no apenas por estarem acostumados a rezar durante a vida toda mandada por pais, mães e parentes mais velhos. Depois de algum tempo sem mostrar qualquer sinal de choro, mas com um semblante sério como requeria à ocasião, ele começou a explicar o que faria.

     – Nós não vamos vingar de quem acabou com nosso pai, ele mesmo fez isso matando dois na luta, sem contar os que matou durante sua vida de cangaço... Vamos nos vingar de todos os macacos que encontrarmos na nossa frente! - Depois de descansarem dois dias, voltem com cuidado e fiquem no mato em cima dos morros, à noite vou encontrá-los, quero entrar na tapera do meu pai e ver se deixaram lá uma coisa que eu quero muito para meu uso. Os três dias seguintes foram uma espécie de doutrinação para a nova condição de vida que ele e seus irmãos iriam levar dai em diante, sua vida até ali tão pacata agora iria ser um inferno. Trovulino, mais para ficar sozinho, se afastou do acampamento com desculpa de que iria caçar um veado do qual tinha visto rastros e ia ficar na tocaia dele.

     Subiu uma encosta de mata que fugia ao padrão natural da Caatinga comum naquelas paragens. Era uma mata de aroeiras, mas entremeadas de madeira nobres como cedro, jacarandá, sucupira e até um pé de jequitibá bem antigo e tão grosso que quatro homens não conseguiriam abraçá-lo. Atrás deste jequitibá a mais ou menos vinte metros de distancia, havia um regato de águas cristalinas onde tinha se formado um poço grande e era onde tinha visto os rastros do bicho. Acostumado com caçadas, não se aproximou do local e desceu a encosta até quando o riacho passava a deslizar na pedra nua formando uma cascata de doce murmúrio e onde se refrescou e se lavou, lavando também suas roupas. Depois se deitou nu na pedra fresca e deixou-se ficar sendo acariciado pela água fria enquanto sua roupa e botas secavam ao sol, naquela calma de uma tarde morna dormiu.

     Acordou com o pio do gavião carcará estridente e que estava à caça de alguma presa ou companheira. Levantou-se e como um cão molhado sacudiu o corpo para livrar-se da água, esperou um pouco até o corpo ficar seco e vestiu as roupas. Sentou-se numa pedra com boa altura onde se sentiu confortado e enrolou um cigarro de palha que fumou com prazer. Sorriu por se aperceber que os acontecimentos passados já não o estavam incomodando tanto e se perguntou se este não seria de fato o seu destino, ser um cangaceiro matador e estar do lado do capeta em vez de ficar do lado dos que vão as missas e rezam para conseguir um cantinho no céu.
Trovador das Alterosas
Enviado por Trovador das Alterosas em 12/12/2018
Reeditado em 12/12/2018
Código do texto: T6525158
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